São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Lefort reconstitui a "tradição da crise"

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nesses dias, que já nos habituamos a chamar de pós-modernos, nunca se falou tanto em crise. Crise da modernidade, crise das utopias, crise da cultura, crise da razão, crise, enfim, da civilização.
São expressões recorrentes, que designam uma situação nova, apontam uma ruptura, um quadro em que o passado deixa de ser fonte de recursos para se entender o presente e pensar o futuro.
Ocorre que esta crise, entendida enquanto perda das tradições, tem ela própria a sua tradição. Há uma tradição da crise e é esta que valeria a pena analisar de perto.
Este foi o fio que guiou a exposição do filósofo francês Claude Lefort, um dos mais importantes pensadores políticos da atualidade, na conferência que fez sexta, em São Paulo, dentro do ciclo "A Crise da Razão", da Funarte.
Não foi uma palestra fácil de acompanhar. O ponto de partida de Lefort foi a obra da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975). Em seu "Origens do Totalitarismo", lançado em 1951, ela aborda o fenômeno totalitário, em suas versões nazista ou stalinista, como algo "sem precedentes" na história da humanidade. "Os homens normais não sabem que tudo é possível", diz David Rousset na frase que serve de epígrafe ao livro.
Essa idéia de que o totalitarismo abre um 'àbismo" na história ocidental foi contestada por Lefort. Depois de render as devidas homenagens à pensadora alemã, ele foi buscar, ao longo dos séculos 19 e 20, exemplos de pensadores que também viram suas épocas sob o signo da crise e da vertigem.
O poeta francês Paul Valéry, dizia, em 1923, não ser mais possível "deduzir do passado alguma imagem do futuro". O escritor francês Stendhal dizia que "nunca o povo experimentou mudança tão radical", referindo-se aos anos que vão da Revolução Francesa ao fim da era napoleônica.
Alexis de Tocqueville foi outro que, escrevendo em meados do século 19, dizia: "olho século a século para o passado e não percebo nada parecido com o que vemos diante de nossos olhos".
As imagens se multiplicaram na fala de Lefort. Segundo ele, a insistente referência à crise nos últimos dois séculos mostra uma dificuldade de vários pensadores em enfrentar o que há de imprevisível, de possibilidades abertas e virtualidades inscritas na democracia.
É porque entende esta última não como um regime político definido, mas sim como "reinvenção contínua da política", que Lefort pode se opor àqueles que, não sabendo como lidar com a indeterminação constitutiva do processo democrático, recorrem à noção de crise para tentar capturá-lo.
O imaginário da crise, estaria assim, segundo Lefort, ligado ao que há de selvagem e de não domesticável na própria democracia.

Giannotti
A conferência "A Lógica da Emancipação", do filósofo José Arthur Giannotti dentro de "A Crise da Razão", foi adiada. Inicialmente programada para hoje, às 19h30, foi transferida para 1º de dezembro, no mesmo horário.

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