São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Ciência e religião; Deficientes e estereótipo; Excesso de paixão; Sucateamento da saúde; Igreja e política; Aids no Exército; Salário de professor; Hipertensão arterial

Ciência e religião
"Tendo minhas afirmações publicadas no 'Painel do Leitor', fui vilipendiado por alguns leitores; tendo minha formação acadêmica sido posta em dúvida. É compreensível o teor rancoroso das críticas, dado o irracionalismo dos que colocam a religião acima da ciência. Reafirmo que toda religião não passa de uma 'muleta', na qual amparamo-nos diante do desconhecido. O homem é um ser incapaz de aceitar a finitude da vida; o vazio. Os deuses e mitos, criados por nós, reconfortam-nos, oferecendo uma 'outra vida'. Todas as religiões são entraves ao desenvolvimento do conhecimento humano. Convido o leitor a refletir: habitamos um universo formado por trilhões de sóis, incontáveis galáxias. Átomos e matéria-prima para o surgimento da vida são forjados na fornalha das estrelas. No espaço, nossas sondas e radiotelescópios rastreiam o cosmos e sinais de possíveis civilizações intergalácticas. A ciência do homem reverbera no espaço-tempo. Diante de tamanha vastidão, parecem-nos pálidas e ridículas as religiões, com seus dogmas estúpidos. Como disse Voltaire: 'As religiões são como pirilampos, só brilham onde há escuridão'. Deixemos as trevas e os deuses. A ciência é a única ferramenta para enfrentarmos o desconhecido."
Marco Antonio Salles (Mauá, SP)

Deficientes e estereótipo
"Muitos de nós, portadores de deficiência, temos muito que agradecer à AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa). Porém, não podemos deixar passar tudo que acontece, sob pena de estarmos sendo omissos e coniventes. A atual campanha publicitária para vender cartões de Natal e arrecadar fundos usa imagens de objetos quebrados e com 'defeito', fato que provoca a idéia de que portadores de deficiência são algo que se pode descartar, objetos com defeito são normalmente descartáveis. Lamentamos a idéia, ou falta de, da agência de publicidade de 'apelar' para a piedade e caridade das pessoas. Estranhamos que a AACD tenha aceitado vincular a imagem dos portadores de deficiência assim. Tal publicidade só reforça estereótipos já existentes de que o deficiente é um coitadinho, um incapaz, algo 'defeituoso', descartável. Esperamos alguma manifestação do órgão responsável pela regulamentação da publicidade, bem como do Ministério Público, que tem por obrigação zelar pela imagem do portador de deficiência baseado na Constituição Federal e na lei 7.853."
Rui Bianchi do Nascimento, diretor-executivo do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência (São Paulo, SP)

Excesso de paixão
"Ando à procura de um jornal de oposição ao governo. Porque todos andam vendo tudo da mesma forma. A simpatia ao governo FHC em todos os jornais brasileiros impede a leitura real dos fatos para muitos brasileiros-eleitores. O descaramento do contrato da filha do presidente FHC merecia maiores protestos, inclusive da Folha. Como se não bastasse, as opções eternas de Itamar em cargos de destaque, junto com a sua June, envergonham qualquer brasileiro, reforçam a falta de ética das últimas eleições presidenciais e estragam também qualquer relação diplomática Brasil-Portugal. E os jornais 'babam' por uma meia furada do presidente, as televisões destacam a sua 'caminhada' do hotel à sede da ONU (quando o hotel é colado nela, impossível ir de outra forma), enfim, desrespeitam o leitor no seu direito à informação isenta de tanta paixão."
Silvia de Souza (Goiânia, GO)

Sucateamento da saúde
"Rodrigo Delfino, 16 anos, vítima de agressão por arma de fogo, foi atingido na altura da segunda vértebra torácica. Encontra-se paraplégico. Foi submetido a tratamento cirúrgico de urgência devido a lesões vasculares. Atualmente necessita de avaliação e acompanhamento neurológico e fisioterápico. Além de exame especializado para avaliar qual dano ocorreu a nível de medula. No entanto, exaustivamente tentamos transferência para um centro onde pudesse ter o tratamento neurológico adequado e até a possibilidade de cura, mas o sucateamento do serviço público e o desinteresse pelos excluídos estão condenado o garoto à morte ou vida vegetativa. Senhor ministro da Saúde, o que mais posso fazer por ele além do meu ato cirúrgico de urgência, a dedicação pós-operatória e indignar-me pelos limites impostos por um sistema de saúde injusto?"
José Renato Dacache Balieiro (Manhuaçu, MG)

Igreja e política
"Como católico lamento profundamente o uso político e social que tem sido feito da Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, principalmente pela CUT, PT e ala progressista da Igreja ligada à 'teologia' da libertação. A 'Missa dos Quilombos' não é autorizada pelo Vaticano. Como, então, pôde ser celebrada na Basílica de Nossa Senhora? É um escândalo. Uma profanação. Faz-nos lembrar Jesus expulsando os infiéis do templo."
Felipe R.Q. Aquino (Lorena, SP)

Aids no Exército
"Queremos manifestar nosso apoio e admiração à atitude do sargento Abílio Teixeira, expressa na Folha de 6/11. O que precisamos com urgência cada vez maior é de pessoas atentas e sensíveis como esse sargento. Se mais pessoas em posição de comando se revelassem tão preocupadas e solidárias quanto ele, estaríamos podendo conter melhor essa epidemia em nosso país. A Aids ameaça o Exército, sim, com ou sem regulamentos. A denúncia do sargento visa poupar vidas e sofrimentos e isso deve ser mais importante do que o corporativismo do Exército, que procura bloquear esse tipo de denúncia."
Teresinha Cristina Reis Pinto, presidente da Associação para Prevenção e Tratamento da Aids (São Paulo, SP)

Salário de professor
"Quando nossos prefeitos, governadores e presidente da República perceberem mensalmente o que hoje um mero professor estadual percebe, estaremos adquirindo a maturidade política ideal."
Roberto Gomes Caldas Neto (São Paulo, SP)

Hipertensão arterial
"A reportagem publicada em 23/8 intitulada 'Droga para hipertensão aumenta risco de infarto' causou-me, no mínimo, grande perplexidade. A redação e interpretação leigas de um trabalho científico isolado e de qualificação metodológica contestável pareceu-me uma atitude com forte caráter sensacionalista, que veio causar infundado temor entre muitos milhares de hipertensos em uso dessa classe de medicamentos utilizados no controle da hipertensão arterial. A publicação em questão preocupa-me porque não se trata de uma conclusão, decorrente de uma investigação científica, que possa ter, neste momento, o poder de se ditar decisões como proposto no artigo por este jornal publicado. A literatura científica pertinente ao assunto tem centenas de outros estudos publicados em periódicos de grande prestígio internacional respaldando a conduta de milhares de médicos prescritores dessas medicações aos seus pacientes hipertensos ao longo de todo o mundo. Longe de admitir que as condutas vigentes são, ainda que suficientemente documentadas, imutáveis, mas é absolutamente necessário que se tenha maior rigor na divulgação de dados dessa ordem, especialmente quando eles podem causar mais desserviço do que esclarecimento a tantos quantos têm acesso a sua leitura."
Fernando Nobre, presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Ribeirão Preto, SP)
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Nota da Redação - O leitor ficaria mais perplexo ainda se lesse o trabalho original dos cientistas, publicado na conceituada revista da Associação Médica Americana ("Jama"). A propósito, a própria reportagem da Folha destaca que, segundo editorial na revista, "os dados do estudo ainda têm de ser confirmados e não podem ser utilizados como base para decisões clínicas".

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