São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
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Armazéns públicos viram depósito de sucata

LUIZ MALAVOLTA; BRUNO BLECHER
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU

Armazéns agrícolas construídos pelo governo do Estado no interior paulista estão tendo sua finalidade totalmente desvirtuada.
A reportagem da Agência Folha esteve em cinco cidades da região noroeste do Estado -Bariri, Balbinos, Igaraçu do Tietê, Piratininga e Pirajuí- e constatou que em nenhuma delas os armazéns públicos são usados para estocagem de grãos. Viraram depósito de sucata, foram cedidos a particulares ou estão simplesmente abandonados.
Os chamados armazéns comunitários foram construídos pelos governadores Orestes Quércia (PMDB, 87/91) e Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB, 91/94). Eles deveriam ser usados por pequenos produtores rurais, o que acabou não ocorrendo nestas cidades. Há casos de cidades que nunca tiveram safra de grãos.
Em seu horário político em rede estadual ontem, o PMDB defendeu as realizações do governo Quércia, entre elas a construção de "91 armazéns comunitários". Segundo o programa, "desenvolvimento se faz com apoio ao pequeno agricultor".
O atual secretário estadual da Agricultura, Antônio Cabrera Filho, reconhece a irregularidade e diz que, "de maneira geral", os armazéns feitos pelo programa tiveram sua finalidade desviada.
Segundo Cabrera, foram assinados convênios com 133 prefeituras paulistas para a construção de armazéns, entre 1987 e 1990. Desse total, 99 foram concluídos.
A Folha apurou que as irregularidades já são do conhecimento do secretário há pelo menos oito meses. Em março passado, ele recebeu um relatório com os fatos, até agora mantido em sigilo.
Cabrera disse que até agora não conseguiu tomar nenhuma decisão sobre o assunto, salvo processar prefeituras que não cumpriram o convênio de construção.
Os armazéns têm em média mil metros quadrados de área coberta. Foram feitos de tijolos, com cobertura metálica e têm capacidade para estocar 20 mil sacas de 60 kg, ou 1.200 toneladas.
Um armazém desse porte, explorado por particulares, renderia por ano R$ 10.800 em aluguel com estocagem de grãos. A avaliação é de Cid Fernandes, dono da empresa Nargel, de Penápolis (485 km a noroeste de São Paulo).
Muitos armazéns foram construídos em cidades cuja produção é cana-de-açúcar e pecuária. É o caso de Igaraçu do Tietê (303 km a noroeste de São Paulo). O município tem monocultura de cana, mas recebeu um armazém para grãos de mil metros quadrados.
O prefeito Constantino Fernandes (PSD) disse que o armazém nunca foi usado para sua finalidade original. "Ele sempre foi depósito de lixo reciclável", afirmou.
Em Balbinos (418 km a noroeste de São Paulo), o atual prefeito, José Márcio Rigotto (PMDB), cedeu o armazém em comodato (empréstimo sem custo) por 25 anos para a indústria Aripê, que produz essência de limão. "Antes, o armazém servia como criadouro de ratos e baratas", disse.
O agropecuarista Maurício Lima Verde Guimarães, diretor da Faesp (Federação da Agricultura de São Paulo), defende a "retomada" dos armazéns pelo Estado. "É um escândalo o que aconteceu, usando dinheiro público."
O presidente do Sindicato Rural de Pirajuí, Jonas Botacini, 72, disse que o armazém construído em sua cidade nunca foi usado. "Suas portas de ferro estão apodrecendo pelo tempo", declarou.
Em Piratininga (345 km a noroeste de São Paulo), o armazém já foi emprestado para uma igreja evangélica. Hoje é ocupado por uma fábrica de absorventes femininos, uma indústria de bola de futebol e uma marcenaria.
A Folha tentou ouvir os ex-governadores Quércia e Fleury. Eles não retornaram os telefonemas.

Colaborou Bruno Blecher, editor do Agrofolha

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