São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Montagem de "Don Giovanni" em SP fica apenas no meio termo

WILLIAM LI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estreou sábado à noite no Teatro Municipal -e fica em cartaz até domingo- uma nova montagem da ópera "Don Giovanni" de Mozart, com cantores nacionais e estrangeiros e a Orquestra Sinfônica Municipal sob a regência de Isaac Karabtchevsky. A concepção cênica é da italiana Maria Francesca Siciliani.
Esta ópera, que estreou em Praga em 1787, marca um momento de transição de Mozart (ele morreria em 1791) e faz a ponte entre a jocosidade quase obscena de "CosÌ fan Tutte" e "Le Nozze di Figaro" e a dramaticidade e religiosidade do "Requiem" e da "Grande Missa em Dó Menor".
Isso porque "Don Giovanni" é na maior parte uma ópera buffa, mas que se transforma em tragédia. Tem até a moral da história: "Este é o fim de quem age mal". O interessante a ser notado é que, em todas as suas peripécias de amante sedutor, o público ri com Don Giovanni, sendo cúmplice de suas imoralidades. No final da ópera, ele vai parar no inferno.
Será que "Don Giovanni" não seria o "mea culpa" de Mozart, já pressentindo sua morte e voltando-se cada vez mais para a música sacra e lieder para crianças? Suas óperas subsequentes terão um caráter místico ("A Flauta Mágica") ou cívico ("La Clemenza di Tito"). "Don Giovanni" é uma etapa entre o Mozart adolescente e o moribundo. Ele não passou pela maturidade.
Independentemente da concepção, a performance da estréia desta montagem não entusiasmou muito o público. Poderíamos caracterizá-la com o conhecido moto de Horácio:"aurea mediocritas". Mas atenção: "mediocritas" para Horácio não significa mediocridade, mas um meio-termo.
Para sermos honestos e sem querer ferir ninguém, este "Don Giovanni" poderia ser uma produção de Praga ou Budapeste, e não de Londres ou Milão. Mas teve bons momentos, dignos de um "Alla Scalla". Ana Pusar como Donna Ana é um talento promissor, e o maestro Karabtschevsky pretende levá-la ao "La Fenice" de Veneza, onde é regente titular. O baixo Marcel Rosca no papel do Comendador impressionou por sua voz potente e grave.
Leporello (Renato Girolami) decepcionou na famosa "ária do catálogo", mas se saiu bem em outros momentos. Don Ottavio (John Dickie) francamente não estava à altura do papel, e o demonstrou na famosa ária "Il mio tesoro", uma das mais difíceis para um tenor de todo o repertório lírico. Donna Elvira (Patricia Wise) foi várias vezes aplaudida. Sua voz é bela e tem um bonito timbre, mas falta-lhe e um certo refinamento: ela não conduz nem constrói linhas melódicas, apenas canta as notas. A brasileira Rosana Lamosa, apesar de jovem, desenpenhou muito bem o papel de Zerlina, exibindo uma voz límpida e de belo timbre, como no dueto "Batti batti".
O Coral Lírico Municipal, como em todas as suas atuações na temporada deste ano, esteve excelente: afinado e coeso. A orquestra teve altos e baixos, facilmente notados pois a escritura de Mozart é transparente. Qualquer um nota quando algo desafina.
O maestro Karabtchevsky declarou estar satisfeito com o resultado, dentro das nossas limitações. Após este "Don Giovanni" em São Paulo, Karabtschevsky reassumirá seu posto no Teatro La Fenice de Veneza. Pretende montar no ano que vem uma ópera de fôlego e grande complexidade: o "Tannhaeuser" de Wagner. Esperemos que o ardor espiritual e a intensidade do desempenho dos músicos se igualem à do personagem Tannhaeuser, pois sem estas não é possível enfrentar a complexidade da obra wagneriana.

Ópera: "Don Giovanni"
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº - Centro)
Quando: de quarta a sábado, 20h30; domingo, 17h
Preços: R$ 10 a R$ 40

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