São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Os desafios que a China enfrenta hoje

BILL GATES

O que é mais importante, a superinfovia ou o crescimento demográfico mundial?
O país tem problemas de poluição, tomada de decisões e uso de mercados para alocar recursos
As pessoas falam sobre a Ásia voltar a se tornar o centro do mundo. Sob certos aspectos, tais como população e crescimento econômico, é verdade.
Mas, quando passei férias recentemente no maior país asiático, a China, eu não estava pensando em negócios. Nem mesmo levei meu micro portátil comigo.
Fui à China para relaxar, aprender coisas novas e tentar compreender como a China vai enfrentar o futuro.
Sendo uma pessoa que normalmente passa seu tempo pensando sobre como os computadores e as comunicações vão transformar o mundo, foi refrescante para mim perceber que existe um grupo grande de pessoas para quem as questões relativas à tecnologia não são tão importantes assim.
O que é mais importante, a superinfovia ou o que acontecerá politicamente no futuro da China? O que é mais importante, a superinfovia ou o crescimento demográfico mundial? Não é fácil responder.
Férias são, em princípio, um momento no qual você mergulha em alguma coisa diferente ou mais ampla do que aquilo que você faz normalmente.
Às vezes, isso se consegue pelo isolamento e leitura, mas dessa vez eu quis viver experiências não mediadas por terceiros.
Assim, meus amigos e eu fizemos tudo o que os turistas costumam fazer na China.
Fomos à Cidade Proibida, à praça Tienanmen e vimos os ursos panda no zoológico de Pequim.
De manhã, passeávamos de bicicleta. Estudantes ginasianos que queriam testar seu inglês andavam a nosso lado e conversavam conosco. Tentamos soltar pipas em cima da Grande Muralha, mas não havia vento.
Chamaram minha atenção -como acontece com muitos turistas- as antigas cavernas budistas na Estrada da Seda e os morros calcáreos de Guilin, celebrizados por séculos de arte chinesa.
Um dos livros que li antes de viajar foi "The Private Life of Chairman Mao" (A Vida Particular do Presidente Mao), de Zhisui Li, que foi o médico particular de Mao Tse-tung.
O livro descreve como Mao costumava atravessar a China em seu trem particular -e como as autoridades posicionavam ao longo das rotas do trem uma fachada de campos e indústrias, por exemplo siderúrgicas, aparentemente bem-sucedidas.
Nós também andamos no trem. Foi revelador -e muito interessante- ver a imensidão do campo e sua população camponesa.
A China é um país cujo recurso principal é seu povo.
Com o tempo, a capacidade dessas pessoas poderá ser usada de modo mais eficiente, com a ajuda dos computadores.
Mas nas próximas décadas, a maioria dos chineses vai continuar em grande medida intocada pela informática. Algumas centenas de milhões de chineses verão suas vidas mudar, mas a imensa maioria estará ocupada fazendo frente a outros desafios.
Para a maioria, esclarecimentos sobre como administrar melhor suas propriedades rurais terão cem vezes o impacto dos computadores pessoais, no futuro próximo.
Isto não quer dizer que a China não esteja se modernizando.
Nos últimos dez anos, a China vem vivendo um milagre econômico. O padrão de vida melhorou e a passagem à industrialização tem sido rápida.
Nem mesmo as economias da Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan vêm crescendo tão rapidamente, por tanto tempo.
Os sinais de transformação podem ser vistos até mesmo nas rotas turísticas chinesas.
Em Xi'an, vimos os famosos guerreiros de terracota, descobertos quando um lavrador os desenterrou por acaso, quando trabalhava a terra com sua enxada, em 1974.
As estátuas fizeram de Xi'an um dos principais destinos turísticos do mundo, transformando a economia da cidade, mas durante anos o lavrador continuou simplesmente trabalhando em suas terras.
Recentemente, um sujeito empreendedor que se autodenomina empresário fez do próprio lavrador uma espécie de atração turística em si. O lavrador é analfabeto, mas aprendeu a assinar seu nome, com bela caligrafia, em lembranças para turistas. Ele assinou um suvenir para mim.
O empresário em questão é um grande operador. Ele poderia facilmente trabalhar em Hollywood. Também é indício do surgimento de um espírito empreendedor na China.
Apesar de todos os sinais positivos, a China ainda precisa fazer frente a muitos desafios para poder continuar a elevar seu padrão de vida.
O país tem problemas de poluição, tomada de decisões e uso de mercados para alocar recursos.
As pessoas estão fugindo da zona rural, onde vivem 900 milhões dos 1,2 bilhão de habitantes da China, e dirigindo-se às cidades, já superpovoadas.
As províncias costeiras estão economicamente à frente do interior do país. O futuro político é incerto.
O rápido desenvolvimento da China já teve seus custos, alguns dos quais altos. Subimos o rio Yangtze em um barco até Three Gorges (Três Desfiladeiros), onde os chineses pretendem construir uma barragem altamente controvertida para promover o desenvolvimento econômico. Quando se vê todos os lugares belíssimos que o rio vai inundar e destruir, não dá para sentir muito entusiasmo pelo projeto.
Perguntamos a professores de diferentes disciplinas sobre os problemas sociais, políticos e econômicos que confrontam seu país. Perguntamos por que nascem mais homens do que mulheres. Perguntamos até que ponto as pessoas se ressentem da falta de liberdade política na China. Perguntamos como andam os direitos humanos.
Ouvimos respostas refletidas, mas as grandes preocupações dos professores pareciam ser mais imediatas.
Eles precisavam de dinheiro para seus programas. Precisavam de melhores maneiras para atrair novos professores, para sustentar suas instituições, em uma economia na qual os universitários recém-formados são contratados por salários muito mais altos do que um professor universitário jamais chega a ganhar.
Os próximos anos serão decisivos para a China. Em menos de dois anos, o controle de Hong Kong vai passar da Grã-Bretanha à China.
Saindo da China, passamos uma noite em Hong Kong. É uma cidade tão limpa, bonita e moderna quanto qualquer uma que já vi na vida. A presença do capitalismo aqui é mais evidente do que em Nova York.
A idéia de que Hong Kong será submetida, até certo ponto, ao mesmo governo que a China, é espantosa. As contradições são incríveis. Qual sistema vai exercer mais influência sobre o outro? Hong Kong vai influenciar a China, ou vice-versa?
Pelo bem da China, estou torcendo por Hong Kong. Vamos ver o que vai acontecer.
Agora que estou em casa outra vez, novamente em companhia do meu laptop, estou tão confiante quanto nunca em relação às implicações positivas da informática. Não tenho dúvidas a respeito.
Mas talvez eu tenha adquirido uma perspectiva um pouco melhor -e é isso, afinal de contas, um dos grandes benefícios que as férias nos trazem.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill microsoft.com. Tradução de CLARA ALLAIN

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