São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Adolpho Bloch: o último dos justos

ISRAEL KLABIN

Em cada geração existe um enviado especial, destinado a provar que a justiça prevalece e que a bondade divina o escolheu para ser ele mesmo o repositório de sofrimentos e alegrias e aceitar tudo que a ele acontecer como vontade superior, mantendo sem alteração os caminhos da fé e da justiça.
Da sua Rússia natal, as visões de pogrom e de miséria, à sua última morada, biblicamente recolhido ao túmulo de seus ancestrais, não faltou a ele a visão do mundo real, clara e discernida. Nunca foi ele atingido pela descrença no futuro. O mal ele ignorava, o bem ele enaltecia e gravava em letras de ouro em sua memória e em seu afeto.
À beira de seu túmulo dizia eu que, por não ter tido filhos, deixava uma descendência de miríades. De todas as raças, todas as cores, todas as religiões, não houve ninguém que o tocasse que não saísse com a impressão algo estranha de que nele havia um mistério. Um mistério que nos levava à compulsão de um destino comum e à participação em um bem maior.
Tendo sido ele pessoa tão próxima a meu pai, tive essa bênção especial de tê-lo próximo a mim desde a mais tenra infância. A sua paternidade assumida sobre nós era dura e reprimendas não faltavam, logo após seguidas de um gesto afetuoso. O que ele dizia com isso era: "Eu mostro o caminho e vocês exerçam o seu livre arbítrio".
A herança de reflexão que ele nos deixa vai, no futuro, invadir cada dia e cada minuto com as perguntas fundamentais: certo ou errado? justo ou injusto? bom ou mau?...
Episódios de Adolpho temos muitos. O seu amor à beleza e à criação o fizeram um personagem constante e permanente de uma obra artística. Os seus intérpretes eram convivas e amigos. Eles viviam, fora da tela de sua televisão, os personagens de outra novela na qual Adolpho era um herói permanente, às vezes bondoso e paternal e às vezes rigoroso em suas reprimendas.
A grande mensagem que ele nos deixa é a de que a justiça e a fé não são uma cultura adquirida, porém sim uma mensagem gravada geneticamente, algo constante em sua memória tribal e da qual ele não poderia jamais se afastar, pois isso era seu corpo e sua alma.
Não quero, hoje, me lembrar de fatos. Eles voltarão como parte da história. O que importa hoje não é nem a sensação de perda nem as palavras que ele pronunciou em todos os momentos memoráveis. O que importa, hoje, é reconhecer a grandeza do homem que passou e que se agarrava ao passado para conformar o presente. O futuro compete a nós, usando a matéria-prima de grandeza que ele nos legou.
Uma das nossas velhas lendas diz: "Um rei muito poderoso e rico fez um jardim onde todas as espécies da criação estavam representadas. Chamou o rabino mais sábio de seu reino e pediu-lhe que gravasse no portão do jardim uma frase que todos os que por ali passassem lessem e se sentissem felizes. No dia da inauguração, ao descerrar a placa, lá estava escrito: 'O avô morreu. O pai morreu. O filho morreu'. O rei chamou o rabino e reclamou, dizendo: 'Eu lhe pedi que fizesse algo que tornasse as pessoas felizes e você me fala de morte?'. Ao que o rabino respondeu: 'Nada mais feliz do que a ordem natural das coisas. O contrário é que seria a infelicidade absoluta"'.
No seu longo caminho de Jilcomir à Vila Rosaly, a ordem natural das coisas não se alterou e o caminho da justiça e da verdade estão mais abertos do que nunca.

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