São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Preparo técnico e cívico de juízes e promotores

JOSÉ EMMANUEL BURLE FILHO

Dentro do espírito democrático que assegura a todos externarem suas opiniões, alguns, ao criticarem a decretação da prisão preventiva de líderes do MST, chegaram a afirmar que isso resultava da falta de preparo do promotor de Justiça e do juiz de Direito. Posso assegurar que, em regra, com raríssimas exceções, normais em qualquer segmento, os membros do Ministério Público e da Magistratura são preparados no terreno jurídico e cívico.
O concurso de ingresso é notoriamente um dos mais difíceis em termos de conhecimentos e rigor no exame pessoal dos candidatos. Ainda assim, antes de iniciarem suas funções e durante o estágio probatório, no Ministério Público, são submetidos a cursos de adaptações na Escola Paulista do Ministério Público, nas diversas áreas de atuação.
Nesses cursos, busca-se conscientizar o promotor de Justiça para a relevância social de suas funções. Ademais, nas diversas reuniões que mantemos com os promotores de Justiça em várias regiões do Estado, temos acentuado, sempre e sempre, que uma das nossas finalidades é a busca dos direitos sociais para os cidadãos.
Temos dito, constantemente, que a atuação do promotor de Justiça é seguramente uma das mais duras porque a Constituição Federal impõe-lhe duas tarefas que exigem grande equilíbrio e preparo: uma é a defesa da lei, investigando e exercendo a persecução legal; e outra é a defesa da cidadania.
As duas são exercidas simultaneamente, daí a nossa assertiva de que a atuação do promotor é bifronte: sem deixar de levar o investigado ao Judiciário, deve, na mesma atuação, zelar pelos seus direitos como cidadão. Não é tarefa fácil, mas garanto que em quase todos os casos os promotores de Justiça têm demonstrado preparo para essas magnas funções.
O Ministério Público tem revelado à sociedade que busca assegurar os direitos sociais de forma permanente, procurando até mesmo educá-la para a vida democrática. Só para citar alguns casos, lembramos que, como procurador-geral de Justiça e chefe do Ministério Público de São Paulo, temos indicado prioridades aos membros da instituição, e assim pedimos aos promotores de Justiça que lutassem contra a evasão escolar, tão prejudicial ao cidadão e à nação porque a educação é pedra de toque na luta para a superação da desigualdade de renda.
Foi pedido, também, que combatessem a falta de registro na carteira de trabalho, conduta criminosa e geradora de prejuízos incalculáveis para o trabalhador e para a Previdência Social, que não arrecada e, assim, não tem condições de atender a saúde pública.
Criou-se, igualmente, no Ministério Público de São Paulo, o Grupo Especial de Combate ao Crime de Sonegação Fiscal, para um enfrentamento mais técnico e profissional da questão, ciente a instituição de que, em razão da sonegação, o Poder Público acaba não dispondo de recursos financeiros suficientes para a saúde pública, educação, segurança pública e saneamento básico, serviços públicos que são essenciais justamente para as camadas mais pobres da sociedade.
Há outros exemplos, porém o espaço não permite que sejam narrados.
Na questão do MST, não custa lembrar que o pedido e a decretação da prisão não ocorreram de forma açodada, com o promotor e o juiz, por certo, aguardando uma solução política para a questão. Só agiram quando os líderes do MST proclamaram publicamente que não respeitariam a ordem jurídica, ao anunciarem, com as negociações em curso, novas invasões.
Os juristas sabem que a CF impõe ao Ministério Público a sagrada missão de defender a ordem jurídica e o regime democrático (art. 127). Ora, convenhamos, ninguém de senso claro e reto desconhece que exemplos coletivos, bons ou maus, tendem a ser seguidos.
Da mesma forma, não desconhece que uma nação sem respeito à sua ordem jurídica tende a perecer e que esse respeito é vital para a mantença do regime democrático.
Nessa linha, se a nação não reagisse, exigindo, pelos seus órgãos constitucionais autônomos e independentes, o cumprimento da lei, aí sim é que se poderia achar que os promotores e juízes não estariam preparados.
Aliás, convém ter em mente que a decretação das prisões, ao revelar a necessidade do respeito à ordem jurídica, acabou por contribuir, em muito, para as negociações bem-sucedidas entre o governo e o MST.

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