São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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De bancos e geladeiras

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Hoje falaremos de dois brasileiros típicos da era do real. Zé das Couves, o primeiro, é pobre. Como não lhe sobra nenhum, não sabe o que é conta bancária. Walter Moreira Salles, o segundo, é milionário. Dono do Unibanco, administra o seu e o dos outros.
O real do professor Cardoso foi concebido para facilitar a vida da tribo de Zé das Couves e para infernizar o cotidiano da trupe de Moreira Salles. A queda da inflação trouxe o frango a R$ 1,00 e pôs fim à ciranda que tornava o giro do dinheiro alheio o melhor negócio do mundo.
Zé das Couves acreditou no novo Brasil. Ainda não foi apresentado a um guichê de banco. Mas já pôs o pé na loja de eletrodomésticos. Dinheiro curto, compra no crediário. Paga, em média, 9% de juros ao mês. Os juros engolem o frango, sua aquisição recentíssima.
Quanto aos negócios de Moreira Salles, continuam prósperos. Vão bem, muito bem. Acaba de comprar o Nacional. Fechou o negócio na bacia das almas. E com ajuda do governo. A transação está sendo azeitada com empréstimos públicos. Os juros? Ah, os juros. Serão de 2% ao ano. Sim, ao ano (!!!).
Anualizados, os juros que a banca cobra de Zé das Couves batem em exasperantes 181%. Ainda que se desconte a previsão de inflação, a taxa permanece um portento: 128%.
Quebrado, o Nacional tem um passivo que avança ameaçador sobre seu ativo. Mas o que Moreira Salles está comprando é o naco azul do balanço. A coluna avermelhada fica com o governo. Ou, se preferir, com o contribuinte. O buraco é grande: coisa de R$ 4 bilhões.
Somado ao rombo produzido pelo Econômico de Calmon Final de Semana de Sá e pelo Banespa de Orestes Empreiteiras Quércia e Fleury Carandiru Filho, a conta que a banca espeta no Tesouro deve ultrapassar os R$ 12 bilhões.
No último Carnaval, o inglês Barings teve prejuízo de U$ 1 bilhão. De Tóquio a Chicago, houve tremor nas bolsas. Aqui, ouvem-se poucos gemidos.
Assim, invertem-se aos poucos os objetivos do real. É mais fácil a um Moreira Salles comprar um banco falido do que a um Zé das Couves adquirir uma geladeira no crediário. Diz-se que isso acontece porque não se pode deixar banco quebrar. Melhor quebrar o Tesouro.

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