São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 1995
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A ditadura do sim ou não

JOSÉ GENOINO

Há a possibilidade de, nos próximos dias, a Câmara votar pedido de urgência urgentíssima para a proposta da base governista no Congresso que elimina do Regimento Interno da Casa a figura do DVS (Destaque para Votação em Separado). O DVS permite que uma matéria, cujo conteúdo seja em parte polêmico, possa ser desmembrada.
Vota-se então o texto principal e os pontos polêmicos são destacados, a pedido de pelo menos 10% dos deputados, para posterior análise e votação. O dispositivo funciona para artigos de emenda constitucional e projetos de lei.
Aproximam-se as eleições municipais e aliados governistas pré-candidatos votam em Brasília atentos à repercussão do voto junto aos eleitores. Ao perseguir a extinção do mecanismo e no momento em que reúne a mais parca maioria desde o início de seu mandato, o governo, por meio de seus porta-vozes no Congresso, pretende tornar mais fácil a aprovação de suas propostas de emenda constitucional. Mas o intento, além de contraditório em seus pressupostos, traz no conteúdo consequências desastrosas para o funcionamento democrático da Casa Legislativa.
A idéia de que os destaques dão poder excessivo à minoria não pode ser levada a sério, ao menos como argumento governamental para convencer a nação sobre o fim do DVS -na verdade, quem tem esse objetivo não deve estar preocupado em convencer, apenas em dominar. Mas no caso da proposta em tela, é lógico crer que quem tem votos para aprovar a matéria principal também os terá para aprovar destaques eventualmente apresentados, seja pela oposição, seja pela situação.
A solução de extinção dos destaques regimentais pode prejudicar igualmente seu mentor, o governo. Isso porque há os partidos e parlamentares que eventualmente ou pontualmente apóiam suas iniciativas. Inexistentes as condicionais para o apoio, esses aliados não-formais reduzir-se-iam aos sinais básicos de "afirmativo" ou "negativo".
Também é contraditória a proposta patrocinada pelo Planalto porque pretende inverter a lógica, tornando mais fácil emendar uma Constituição do que confeccioná-la. Os DVS estiveram presentes nos trabalhos da Constituinte de 88. Como admitir então que a emenda à Constituição tenha um percurso mais curto até a aprovação do que o próprio texto constitucional?
Contudo o pior efeito da extinção do DVS está na quebra do pluralismo e da democracia interna. Situação e oposição estarão resumidas a rotundos sim e não. O rito do debate, a natural controvérsia sobre temas complexos e o princípio da transparência sobre o processo estarão enterrados no mesmo jazigo dos destaques. O preço maior não será pago pelo governo, tampouco por seus opositores.
A sociedade, essa sim, estará envolta em nevoenta ignorância. Desconhecerá quem apóia e quem critica determinada proposta, dado que a votação se dará no conjunto. Antes de tudo trata-se de um bom subterfúgio para os que votam já preocupados em se explicar aos eleitores -se não se pode destacar parte do projeto, a desculpa já está arranjada.
O que temos, então, é uma tosca manobra para calar a minoria em plenário, vendar os olhos do povo brasileiro frente a seus representantes e pasteurizar o debate das questões nacionais. Essa pretensão merece a repulsa dos setores democráticos da sociedade, e não é outra a atitude que se espera dos parlamentares no momento em que a matéria lhes exigir o voto.

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