São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Nem Freud explica

SÉRGIO ANTONIO MURAD

O governo federal, de modo constante, ameaça sadicamente os futuros aposentados com reduções ainda mais drásticas nos tetos das aposentadorias e propôs reforma constitucional nesse sentido.
Paralelamente, aprovou no Congresso Nacional lei que aumentou as alíquotas de contribuições dos trabalhadores e, pasmem, passou a descontá-las também dos minguados salários dos aposentados que continuaram trabalhando. E se diz surpreso com a reação popular às medidas propostas, esquecendo-se de que está acabando com o sonho dourado da classe média do "ócio com dignidade" após longos 35 anos de duros serviços.
Talvez esperasse uma reação masoquista de aplauso. Esta atitude é compreensível em tecnocratas como o ministro da Previdência, mas não no presidente, sociólogo de renome internacional, com várias obras sobre a matéria. Mas pediu-nos que esquecêssemos tudo que escrevera até sua posse.
Nada disso seria necessário se todos os empregadores registrassem seus empregados e recolhessem as verbas previdenciárias como determina a lei. Observamos, no dia-a-dia da Justiça do Trabalho, que mais de 60% dos empregados não são registrados e a fiscalização é praticamente inexistente.
E o que é pior: não podemos condenar as empresas no pagamento dessas verbas, porque a competência é da Justiça Federal. A legislação nos obriga apenas a notificar o INSS das irregularidades encontradas, para efeito de fiscalização e multa.
Por que não estender a competência da Justiça do Trabalho para condenar a empresa no pagamento das contribuições sociais, juntamente com os débitos trabalhistas em face dos empregados? Não haveria nem necessidade de reforma constitucional para isso, pois o artigo 114 da Constituição, que delimita a competência dessa Justiça especializada para os dissídios entre trabalhadores e empregados, acrescenta no seu final "e na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho".
Ora, o recolhimento das contribuições sociais pela empresa é uma controvérsia advinda da relação de emprego e um incidente na reclamação trabalhista.
Bastaria uma Lei Ordinária ou até uma medida provisória para que as juntas trabalhistas pudessem condenar as empresas inadimplentes em relação às verbas previdenciárias e, o que é mais importante, executá-las e recolhê-las aos cofres do INSS.
Já na situação atual, o juiz, na sentença, determina ao empregador as anotações na carteira de trabalho do reclamante e o recolhimento das verbas previdenciárias e, se a empresa não o faz, a secretariada junta oficia ao INSS sobre as irregularidades, numa incrível perda de tempo e de esforços.
Isso reduz a posição do juiz para uma espécie de fiscal do INSS, sem nenhum efeito prático. Após, portanto, toda a tramitação do processo na Justiça do Trabalho, é que o instituto vai iniciar o trabalho de apuração do débito, lançamento na dívida ativa e, se for o caso, execução na Justiça Federal, se não estiver já prescrita.
A experiência nos mostra que quase 90% desses processos acabam dando em nada.
A medida que propomos não acarretará ao juiz trabalhista nenhum esforço adicional, já que irá executar mesmo os valores da condenação em favor do empregado e poderá, junto, proceder a execução em relação às verbas previdenciárias: a penhora seria uma só, assim como a praça e o leilão. Na liquidação da sentença, ao intimar o reclamante a apresentar seus cálculos, o juiz faria o mesmo em relação ao INSS e, nos acordos homologados pela Junta, condenaria o empregador a recolher as contribuições sociais sob pena de execução.
E o que é mais importante, essa norma legal teria efeito imediato sobre milhões de processos que tramitam atualmente no Judiciário trabalhista.
Por que o governo não opta por essa singela proposta, usando a máquina do Judiciário Trabalhista, já montada em todo o país para arrecadar mais e poder conceder aumentos reais ao salário mínimo e pagar aposentadorias dignas?
Isso nem Freud explica!...

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