São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Lei de imprensa deve preservar a honra e a imagem da pessoa

WALTER CENEVIVA

Estou definitivamente resolvido: jamais aceitarei qualquer cargo na administração pública. A hipótese de ser convidado é improvável, mas, de qualquer modo, o projeto de exercer uma função pública remunerada está tão fora de meus planos, quanto ir a Júpiter.
Suponho que essa é a atitude de qualquer pessoa que tenha família, filhos, irmãos, netos e que pretenda mantê-los fora do turbilhão dos escândalos públicos, justa ou injustamente provocados pelos conflitos de interesses econômicos relacionados com obras governamentais.
Tomo o exemplo da saída do ex-ministro da Aeronáutica, de cujo nome completo só vim a saber no dia em que pediu demissão. A única coisa de aeronáutica que conheço decorre da condição do passageiro de nossas linhas aéreas comerciais.
Mas, volto ao ex-ministro. Numa conversa entre terceiras pessoas, ele foi referido como amigo de uma delas. Uma gravação (o chamado "grampo") da conversa foi divulgada e o titular da Força Aérea pegou seu boné e partiu.
Acontece que os fatos constantes de inquéritos policiais, por definição legal, devem ser mantidos em sigilo, até para observar um princípio essencial do direito moderno: todas as pessoas são inocentes até que decisão definitiva, proferida em juízo, as considere culpadas.
A ilegalidade das contínuas divulgações escandalosas é tão preocupante -e até mais preocupante- que as possíveis irregularidades de que as pessoas são acusadas. As polícias e os bancários têm sido especialmente pródigos nesse tipo de divulgação inconstitucional e ilegal, a serviço de interesses ocultos e não necessariamente honestos.
A Constituição Federal afirma a inviolabilidade da vida, da imagem e da honra das pessoas, preservando-as do dano moral injusto. É um dos direitos fundamentais, previstos na Carta Magna e que, contudo, tem sido desrespeitado quando interessa "pichar" os adversários na conflituosidade dos interesses relacionados com dinheiros públicos, o que os meios de comunicação social acolhem com volúpia jubilosa.
Estas idéias me ocorreram porque se voltou a tratar da nova lei de imprensa. O primeiro preceito constitucional sobre os órgãos eletrônicos e impressos de informação é sua absoluta liberdade, livres de qualquer censura ou restrição no exercício de sua função informativa. A criação intelectual há de ser isenta de embaraço, por mínimo que seja.
A contrapartida é óbvia: ocorrendo abuso, a lei deve ter mecanismo eficaz, penal e econômico, apto a punir o ofensor e a recompensar o ofendido pelo agravo sofrido. A contrapartida não tem sido respeitada. Em nosso regime de "denunciocracia" tudo o que é mau encontra eco, mas o que é bom tem dificuldade de ser aceito ante a inutilidade dos desmentidos.
As experiências dos últimos meses sugerem a necessidade de buscar o equilíbrio entre duas essencialidades situadas ao nível da plena liberdade informativa e da preservação da dignidade das pessoas. A liberdade, por ser de interesse geral, é fácil de defender.
A atitude de que a dignidade de cada pessoa é problema dela -que parece dominar- não é só contrária ao direito, mas, também, profundamente injusta. Uma nova lei de imprensa deverá impedir a persistência dessa injustiça.
O aspecto que os "denunciocratas" ingênuos não percebem quando acolhem, sem maior cautela, a ofensa à intimidade, à honra e à imagem do indivíduo honesto é o do incentivo a que mais espertos participem da administração, quando verificam que os homens sérios são expostos ao mesmo tratamento atribuído aos malandros.

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