São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Relações pessoais dissimulam corrupção

FERNANDO PAULINO NETO
DA SUCURSAL DO RIO

A promiscuidade entre o poder público e o interesse privado, como há indícios de que possa ter ocorrido no caso Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), é uma prática comum no país, segundo o antropólogo Marcos Otávio de Mendonça, 31.
Mendonça é autor do recente "Corrupção - Um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil" (editora Relume-Dumará), livro que reproduz sua tese de mestrado, centrada na idéia de que a corrupção "mercantilista" vem cedendo espaço, no país, à obtenção de vantagens através das relações pessoais.
Ou seja, as práticas mais ou menos impessoais do suborno ou das comissões concorrem cada vez mais com o uso das ligações de "amizade, parentesco, patronagem e alianças políticas", como canais pelos quais torna-se possível a apropriação de recursos materiais e institucionais do Estado.
Embora prefira não entrar no caso concreto do Sivam, Mendonça não tem como evitar que sua hipótese se encaixe no episódio.
O escândalo que se criou em torno do projeto para a Amazônia envolveu relações de amizade entre figuras do governo e representantes de interesses econômicos.
O ex-ministro da Aeronáutica Mauro Gandra, ainda que nenhuma irregularidade tenha sido comprovada, deixou o governo exatamente por ter se hospedado na casa do empresário José Afonso Assunção, presidente da Líder Táxi Aéreo e representante no Brasil da norte-americana Raytheon -que venceu a concorrência para o sistema de vigilância. Gandra alega que Assunção era, antes de tudo, um antigo amigo.
Para Mendonça, as relações pessoais acabam dificultando a caracterização de irregularidades. "É tênue o limite", segundo ele, que separa a corrupção de comportamentos socialmente aceitos, como a troca de favores.
"Essas mesmas relações, que agora estão aparecendo como indicadores de possíveis irregularidades, são quase que as relações através das quais a política é feita", diz. "Quando essa relação aparece vinculada a determinado fato, ela passa a ser lida como prática corrupta ou corruptora".
O problema, portanto, não está em indivíduos ou governos, mas no próprio modo como funcionam a sociedade e o Estado.
Mendonça observa que frequentemente, no Brasil, decisões de governo são tomadas com base "em relações de conhecimento, em pressões fundadas em relações cotidianas", ainda que o Estado, para garantir sua legitimidade, construa uma imagem de si próprio baseada "em princípios racionais, abstratos e impessoais".
Essa fachada racional acaba levando a que se considerem excepcionais ou eventuais os casos de corrupção baseados em relações pessoais.
"Não é apenas o caso do governo Fernando Henrique. A irregularidade, a corrupção, as relações ligadas à lógica pessoal não são exclusivas de um ou outro governo, mas estão presentes no Estado", diz o antropólogo.
Mendonça não limita sua análise ao Estado brasileiro."Não é coisa de Terceiro Mundo, acontece em toda a a parte", diz. Outros estudiosos, contudo, como o crítico Roberto Schwarz, amigo de FHC, e o antropólogo Roberto DaMatta, já ressaltaram que no Brasil relações de favor e amizade frequentemente anulam as regras formais e impessoais do Estado. A troca de favor e o "jeitinho" muitas vezes valem mais do que a lei.

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