São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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EUA: impasse episódico?

ANTONIO KANDIR

Na última segunda-feira, Clinton e os republicanos firmaram uma trégua, pondo fim provisório à suspensão prolongada de serviços federais. Importa agora saber se a disputa em torno da redução do déficit fiscal tende a tornar-se menos conflituosa ou não.
Que os episódios recentes não surgem "soltos no ar", é ponto pacífico. Os EUA já não são os mesmos. Não só porque já não subsistem as bases materiais que permitiram sua expansão, mas também porque o amplo consenso que permitiu alternância suave entre democratas e republicanos apresenta fissuras crescentes.
Esse novo quadro explica-se em larga medida pelo declínio relativo da economia norte-americana nos últimos 20 anos e pelas características da recuperação recente, em que, num contexto de acirrada competição e acelerada mudança tecnológica, taxas expressivas de crescimento do PIB coincidem com mudanças na estrutura industrial e no mercado de trabalho.
Nesse ambiente, a insegurança acentua-se pela incerteza quanto ao padrão de vida a ser oferecido pela Previdência Social, hoje também em xeque.
Acresce que desapareceu a figura do inimigo externo comum, importante fator de coesão durante décadas, e aumentou e diversificou-se o fluxo migratório.
Conclui-se que, em comparação ao passado, não apenas estreitaram-se as possibilidades financeiras de contemplar variadas demandas, dos gastos militares às despesas com programas de assistência social, como também ampliou-se a divergência quanto à utilidade e legitimidade de contemplá-las.
Durante décadas, o dinamismo da economia dos EUA e sua supremacia inconteste na competição internacional criaram um "jogo de soma positiva", que permitia acomodar, nas decisões fundamentais sobre os gastos do Estado, demandas vindas de grupos e "públicos" com interesses muitas vezes opostos.
Hoje isso já não é mais tão fácil. A insegurança gerada pela interrupção (momentânea?) do sonho americano, potenciada pelas mudanças na paisagem étnica do país, diminuíram o espaço para políticas de acomodação e compromisso. Não só por razões de escassez de meios, mas também por conta de um clima de exacerbação ideológica, alimentado sobretudo por uma direita fundamentalista cuja base social se amplia.
Há boas razões, portanto, para supor que os episódios das últimas semanas não sejam tão episódicos assim. Fosse outro país, o problema seria apenas de ordem interna. Sendo os EUA, o problema diz respeito à economia mundial e coloca vários pontos de interrogação no horizonte.

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