São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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"Rating" de bancos pode ser inútil

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Até que ponto o trabalho das agências de "rating" (classificação financeira) é útil? A pergunta teve várias respostas nos últimos dias, depois que a Moody's, uma agência que presta esse tipo de serviço, rebaixou a classificação de um banco brasileiro. Ou será um "desserviço"?
A matéria-prima das instituições financeiras é a informação. Agências de "rating", portanto, teoricamente ajudam a organizar a informação disponível e simplificam a tomada de decisões num banco, por exemplo, em dúvida sobre conceder ou não crédito a uma empresa ou a outro banco.
Mas o que parece uma tese convincente pode revelar-se uma ilusão. Um exemplo aparece na edição de setembro da revista "Global Finance". Os editores fizeram um "ranking" de bancos centrais e organizaram classificações regionais de risco. Para a América Latina, dos cinco bancos citados, três são mexicanos. Os outros dois são brasileiros: o Banco do Brasil e, pasmem, o Banespa.
Falando de presidentes de bancos centrais, a revista falta apenas xingar o presidente do BC argentino, que recebe a classificação C: "A oferta de dinheiro e a taxa de câmbio são controlados por um currency board e tudo o mais é ditado por Domingo Cavallo, o ministro da Economia (que parece prestes a perder o emprego)".
Uma apreciação terrível, para dizer o mínimo, mas a Argentina continua levantando dinheiro nos mercados internacionais. E, apesar do pânico mexicano em dezembro passado, nenhum mercado emergente teve sua classificação rebaixada pela Moody's nos seis meses seguintes.
Conversando com operadores de mercado, o juízo que se faz sobre as agências de "rating" é ainda menos nobre.
Para quem está de fato operando diariamente num mercado, a percepção de risco e a quantidade de informação são infinitamente maiores e melhores do que uma avaliação periódica feita por uma agência que supostamente acompanha, o tempo todo, milhares de empresas, bancos e governos.
Para o operador de mercado, valem mais os circuitos informais e ininterruptos de circulação de informação. Eles podem ser capazes de se livrar de um cliente perigoso até meses antes de uma agência internacional de "rating" mudar uma classificação.
Ao mesmo tempo, é justamente essa hiperdependência dos circuitos informacionais cotidianos que dá tanta força aos boatos. Muitas vezes a informação mais relevante é justamente aquela que não pode ser firmemente comprovada.
A dubiedade dos serviços de "rating" fica ainda mais evidente quando se examina um tema correlato, o das empresas de auditoria que examinam balanços de empresas e bancos e, supostamente com rigor e independência, assinam embaixo.
Mais uma vez o exemplo ilustrativo apareceu na crise bancária brasileira recente: o balanço do Banco Nacional era um primor, ratificado por importante empresa de auditoria.
Poucos dias depois, nem mesmo o Banco Central foi capaz de dizer o tamanho do rombo patrimonial, quando no próprio mercado havia muita gente acreditando que tudo não passava de um problema de liquidez.
Claro que não se trata de fazer a caveira de empresas de consultoria tão prestigiadas. Parece que o problema está na própria natureza da informação financeira. Um problema que poucos estão dispostos a reconhecer.
Um desses poucos e insuspeitos críticos fez fortuna e se transformou num ícone das finanças globais. É o megainvestidor George Soros, que desenvolveu a teoria da "reflexividade".
Na sua visão, mais importante do que acreditar na existência de informação segura é estar pronto a perceber os erros e corrigi-los quanto antes.
A ortodoxia em finanças sempre disse algo muito diferente. Construiu modelos partindo do pressuposto de mercados eficientes e apostando na tese de que "risco" é sinônimo de volatilidade histórica, ou seja, é possível transformar a incerteza numa estatística.
Curiosamente, uma resenha da autobiografia de Soros aparece na mesma edição de "Global Finance".

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