São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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A quebra de um monopólio

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Mais do que uma análise das perspectivas e dos desafios abertos com a multiplicação das opções religiosas, "O Monopólio do Sagrado" se constitui em uma espécie de inventário dos impasses acumulados pela Igreja Católica nas últimas décadas.
Escrito pelos teólogos católicos Francisco Catão e Magno Vilela, o livro procura analisar o impacto do pluralismo no campo religioso a partir, principalmente, dos episódios que retiraram da Igreja Católica o privilégio de ditar o caminho espiritual de boa parte da humanidade.
Esta transição é analisada a partir de fatos como a proclamação da República no Brasil -que determinou o fim dos privilégios oficiais da igreja no país- e o Concílio Vaticano 2º que, no início da década de 60, abriu a igreja para o mundo e para o ecumenismo.
Os autores saúdam a quebra do "monopólio" e apostam no advento de uma prática ecumênica que, pelo menos, aponte para o fim da "escandalosa" divisão entre cristãos.
Demonstrando partilhar da perplexidade da Igreja Católica com a proliferação de novos movimentos religiosos, os autores não vacilam ao utilizar a palavra "seita" para classificar, por exemplo, as igrejas evangélicas pentecostais (como a Assembléia de Deus e a Universal do Reino de Deus).
O livro chega a afirmar que só uma "religião autêntica contribuirá para a iniciação e amadurecimento dos seus seguidores". As religiões não-autênticas, porém, teriam uma existência dificultada de acordo com as proposições de Catão e Vilela.
Segundo os autores, "o Estado pode e, em casos de maior gravidade, até deve intervir, quando a religião abusa da liberdade a que tem direito, para se tornar um fator de desordem ética e social".
Para Catão e Vilela, a "prática ferozmente proselitista" de algumas destas expressões religiosas justificaria a existência de "instrumentos sociais e políticos, tanto para coibir os abusos quanto para criar condições de diálogo e entendimento".
O livro defende que o Estado e a sociedade têm o direito de esperar das religiões uma "educação da cidadania". "Portanto devem afastar todos aqueles que na atividade pública ou no exercício profissional estão animados pelo fanatismo proselitista".
As tais religiões "autênticas", porém, deveriam ter suas práticas apoiadas pelo Estado, "que cumprirá sua obrigação de favorecer o florescimento da religiosidade a nível pessoal e social". Isto incluiria até o incentivo a um ensino religioso nas escolas públicas.
Este apoio seria justificável porque, na concepção dos autores, "a sociedade não pode se humanizar senão pelos caminhos da ética e da religião". O ateísmo não passaria de um "acidente de percurso do ser humano em busca do sentido religioso". O laicismo é classificado de "corrosivo".
Apesar de demonstrarem esperança com as perspectivas abertas com esta espécie de democratização do campo religioso, Catão e Vilela esbarram em alguns impasses ao criar pressupostos tão discutíveis quanto a legitimidade do tal finado monopólio do sagrado.
Suas propostas apontam menos para uma efetiva abertura religiosa e mais para uma questionável discussão sobre a validade ou "autenticidade" de religiões.
Em nome de uma verdade para eles absoluta e inquestionável, acabam estabelecendo limites à liberdade religiosa e até ao direito de negar a existência de Deus.
Isto, no limite, abre margem até para que, no futuro, alguém venha a questionar o direito de Catão e Vilela exercitarem a fé que julgam verdadeira. Este tipo de limitação só é comparável a outra proposta do livro: a de incentivar a volta da intervenção do Estado em um campo, o religioso, em que nunca deveria ter entrado.

A OBRA
O Monopólio do Sagrado, de Francisco Catão e Magno Vilela. 252 págs. Editora Best Seller (al. Ministro Rocha Azevedo, 346, São Paulo, tel. 011/851-3644, CEP 01410-901). R$ 25,00

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