São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995
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Por que choveu?

JOÃO SAYAD

O tempo está ficando maluco? A primavera paulista tem sido de dias de semana ensolarados e fins-de-semana chuvosos. Para azar dos paulistas, as frentes frias chegam ao Rio Grande do Sul na terça ou quarta e aqui em São Paulo, sábado e domingo.
Nosso único consolo é que a chuva também chega no fim-de-semana dos cariocas. O tempo é assim mesmo, pequenas modificações nas condições iniciais causam grandes diferenças.
Esquenta um pouco o Pacífico na costa do Peru, temos seca no Nordeste e enchentes no Sudeste. O tempo não está mudando. O clima depende de pequenas coisas iniciais que fazem grandes diferenças no final.
Apesar disso, os meteorologistas conseguem fazer boas previsões. Agora, com computadores de maior capacidade, temos previsões muito boas para três dias.
Em economia, também: pequenas coisas fazem grandes diferenças. Só que economistas, sociólogos e historiadores, não importa o tamanho do computador que tenham, só sabem explicar porque choveu, depois que choveu. Já que o Plano Real está em plena primavera, mas enfrenta algumas frentes frias, podemos refletir um pouco sobre o que aconteceu depois que aconteceu.
Se a taxa cambial do início do Plano Real tivesse sido fixada em R$ 1,20 por dólar em vez de R$ 0,84, muita coisa seria muito diferente.
Pode ser que tivessem havido pressões inflacionárias maiores no começo do plano. Por outro lado, se o governo anunciasse: o dólar agora custa R$ 1,20 em julho de 94 e daqui a um ano vai custar R$ 1,00, teríamos muitas coisas boas:
- a agricultura não teria perdido renda, o crédito rural teria sido pago direitinho, sem crise para o Banco do Brasil e para o governo;
- os juros nacionais poderiam ser 20 pontos percentuais menores. Porque quem tomasse dinheiro emprestado em dólar ganharia uma redução de 20% no valor da sua dívida. Entrariam muitos dólares com juros muito menores;
- no início do plano, a redução da dívida por monetização seria muito maior;
- com juros menores, a dívida interna cresceria muito menos do que os US$ 50 bilhões que cresceu neste ano;
- as importações cresceriam menos. Se você pode importar no final do ano com um câmbio 20% menor, por que importar hoje? Compre seu carro importado 20% mais barato no ano que vem;
- se as importações crescessem menos, o crescimento da produção poderia ser muito maior.
Se a gente soubesse, como sabe agora, que os juros não diminuem as compras a crédito do consumidor, como mostram todos os dias os anúncios de vendas de eletrodomésticos a taxas de 9% ao mês e se soubéssemos da eficácia dos depósitos compulsórios para cortar o crédito e a demanda:
- o governo não fixaria juros tão altos e novamente a dívida seria menor;
- os bancos teriam emprestado menos dinheiro e não haveria falências do setor privado nem crise bancária.
Se o Ministério da Fazenda não tivesse brigado com as montadoras em 1994 e feito uma redução abrupta de tarifas, e ao contrário tivesse seguido o programa de redução anunciado:
- novamente as importações teriam crescido menos, já que quanto mais tarde fossem feitas, mais baratas seriam;
- as indústrias nacionais teriam algum tempo adicional para se ajustarem;
- e a economia poderia crescer mais em 1996.
Se se soubesse de tudo isso, hoje a economia poderia estar com uma dívida interna de US$ 50 bilhões, um déficit comercial muito menor, sem crise bancária, e com uma perspectiva de crescimento de 5% ou 6% para o ano que vem. Mas a gente não sabia. Porque não somos meteorologistas.

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