São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 1995
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As pedras de Drummond

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Fernando Henrique afirmou que é muito fácil governar o Brasil. Falou num instante em que ainda pisava o tapete vermelho dos primeiros meses de gestão.
A história de um presidente, porém, não é feita de palavras. O que faz a biografia de um chefe de Estado é o seu encontro com a crise. Conhece-se um presidente pelo seu comportamento diante do obstáculo de que falou Carlos Drummond de Andrade.
Veja-se o exemplo de Ernesto Geisel. Chamava-se Silvio Frota a pedra que obstruía o seu caminho. Geisel exonerou-o. E, ao fazê-lo, preservou a própria autoridade. Pôde levar a bom termo sua administração.
A pedra de Figueiredo chamava-se Riocentro. Em lugar de apurar os fatos e punir os responsáveis, o presidente tentou tapar o sol. Saiu do Planalto com a peneira na mão. Pela porta dos fundos.
O obstáculo de Sarney atendia pelo nome de Ulysses Guimarães. Em certos momentos, teve-se a impressão de que, embora Sarney envergasse a faixa presidencial, quem mandava era Ulysses. O PMDB fez gato e sapato do governo.
Preparava-me para dizer que a pedra de Collor foi PC Farias. Por sorte dei-me conta da bobagem antes de deitá-la sobre o papel. Ora, a pedra de Collor não foi outra senão o próprio Collor. E para casos do gênero não há elixir que dê jeito.
Bem, fiz toda essa divagação para chegar a Fernando Henrique. O atual presidente ainda não topou com o seu grande rochedo. Não há, até aqui, uma pedra no seu caminho. O que há são pedregulhos. Um aqui e outro ali.
Fernando Henrique está tropeçando em cascalho, eis o ponto que desejo realçar. No caso Dallari, agarrou-se às cordas. Foi à lona no episódio do Econômico. Voltou a tropeçar agora no escândalo do "grampo".
Só ontem, com duas semanas de atraso, afastou Francisco Graziano. Mas ainda mantém a indicação de Júlio César Gomes dos Santos para o México. Uma aberração.
Fernando Henrique talvez seja o homem certo, no lugar certo e na hora certa. Mas, antes de exaltar as maravilhas do exercício da Presidência, é preciso que se disponha a exercê-la em sua plenitude. De costas para o espelho.

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