São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 1995
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A caminhada

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - A caminhada Reage Rio encontrou a oposição do governador Marcello Alencar desde os momentos preparatórios.
O governador vê como inconveniente um ato que pede paz num momento em que vende a imagem de recuperação econômica do Rio.
A apreensão de cocaína na Fábrica de Esperança serviu para o governador exteriorizar sua contrariedade às organizações não-governamentais que coordenam a caminhada.
A fábrica é um projeto de uma dessas ONGs. Tem por objetivo levar formação profissional a uma grande comunidade carente, Acari, que é dominada por uma quadrilha de traficantes.
O governador sabe quem são os traficantes e sabe como vive a população da área entre os tiros dos bandidos ou da polícia.
Ao lançar a suspeição sobre os dirigentes da ONG, insinuando que os mesmos podem ter relações com o crime, o governador unificou as organizações na reprovação de suas declarações.
A caminhada ia ser um ato reivindicatório sem destinatário, pois as ONGs, tentando evitar o sectarismo político, planejaram uma manifestação que seria a favor da paz e contra a violência, sem responsabilizar alguém pela situação. Agora, há pelo menos a contraposição ao governo para uni-las.
Mesmo assim, a caminhada ainda é uma manifestação na qual grupos divergentes e até antagônicos pedem paz, sem ter unidade de propostas para alcançar o objetivo.
Betinho, sindicalistas e funkeiros das favelas, com diferentes formas de discurso, enfatizam que é preciso diminuir as desigualdades sociais. Sindicalistas que não vão à caminhada dizem que ela serve para mascarar as origens da violência, colocando num mesmo lado os exploradores e os explorados.
Sem consenso dos participantes e com a desaprovação do governo, a caminhada tem já o mérito de aflorar as divergências entre os vários atores sociais. Mesmo que pareça contraditório, o choque entre eles é que pode acelerar o processo para a diminuição da violência.

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