São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Eu quero exorcizar

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

A polêmica entre as igrejas Universal e Católica tem se centrado nas diferentes concepções religiosas existentes entre os seguidores das duas seitas. Não se fala, no entanto, no papel que as duas representam do ponto de vista sociológico e de como confluem para uma mesma posição ao servirem de recurso para o cidadão desesperado por não encontrar solução para os problemas que deveriam ser resolvidos pelo Estado brasileiro, o qual não supre as carências básicas da cidadania, principalmente à saúde.
Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, liderados pelos antropólogos e psiquiatras Antonio Mourão Cavalcante e Adalberto Barreto, depois de acompanharem por vários anos a romaria do São Francisco do Canindé, uma das mais famosas do Nordeste, chegaram a uma conclusão impressionante: a maioria das "graças" solicitadas pelos romeiros eram necessidades que poderiam ser resolvidas pelo Estado.
A metodologia do trabalho foi a de catalogar cada peça (ex-voto) e entrevistar o romeiro que a estava ofertando ao santo. Percebeu-se que a maior parte das mesmas eram entalhes de madeira representando partes do corpo humano onde havia um sofrimento e a fé no santo aliviou.
Sabemos que os pastores da Igreja Universal usam, para impressionar os fiéis, as tais curas milagrosas, ou exorcismos. Pessoas que vão até os templos dessa seita e que muitas vezes são portadoras de distúrbios emocionais (geralmente crises dissociativas), servem de cobaias para o ritual de mistificação que lá existe. Nós, técnicos em saúde mental, sabemos que tais pessoas são facilmente sugestionáveis e carentes de atenção. Uma boa abordagem terapêutica geralmente soluciona o problema.
No entanto, o Estado brasileiro não nos dá boas condições para atender tais crises. Os pronto-socorros públicos deste país geralmente não são capazes de atender sequer emergências onde há risco de vida, o que dirá de problemas emocionais.
Em minha cidade a Igreja Universal também está se expandindo. Tenho questionado o poder público local no sentido de criar um programa de saúde mental no qual a população encontre respostas para suas necessidades, principalmente nas emergências, as quais seriam atendidas em um pronto socorro psiquiátrico. Com uma boa equipe multiprofissional de saúde mental tenho a certeza de que resolveremos a grande maioria dos problemas que aparecem. Nós, técnicos em saúde mental, também sabemos "exorcisar" (de uma maneira correta) os supostos demônios (que não existem). Só precisamos do apoio do Estado brasileiro, o qual deixa seu povo à mercê de picaretas que só querem explorar a miséria da população e não valoriza os representantes da ciência, os técnicos. P.S.: Não cobramos dízimo pelo trabalho. Queremos apenas um salário digno.

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