São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Isonomia de uma perna só

MAILSON DA NÓBREGA

Das muitas histórias que correm no Banco do Brasil, é muito conhecida a do usineiro, advogado famoso, que não lia os contratos de empréstimos antes de assiná-los. A quem o alertava para a imprudência, ele justificava: "se eu ler, não assino; como preciso do dinheiro, não leio".
Os maldosos diriam que ele não precisava preocupar-se com o pagamento. Algum arranjo posterior o livraria de qualquer desgraça. A atitude refletia, na verdade, um preconceito. O usineiro não tolerava o banco. Desconfiava que o contrato poderia conter espertezas, mas o firmava por necessitar dos recursos.
A visão negativa da atividade bancária não é uma característica brasileira. Existe em outros países, com maior ou menor intensidade. No Brasil, tende a ser pequena em relação aos bancos oficiais, nos períodos em que administram programas de crédito subsidiado.
O sentimento de antipatia contra os bancos é amplificado entre nós pela percepção (correta) de que eles foram grandes beneficiários do período inflacionário e pela sensação (incorreta) de que os juros se destinam integralmente aos banqueiros. Nem todos notam que a maior parte do custo financeiro resulta da remuneração do poupador, dos tributos e das despesas administrativas.
É difícil entender por que o governo está "salvando" os bancos. Parece imoral -principalmente para o empresário que quebrou ou enfrentou uma concordata- o uso do dinheiro dos contribuintes para resgatar da falência quem sempre ganhou em meio aos desacertos da economia.
A visão é equivocada. O governo não está "salvando" bancos nem os seus donos. Quer evitar uma quebra generalizada do sistema financeiro. Tem sido assim em todo o mundo, depois que a crise bancária durante a Grande Depressão nos EUA mostrou que não se pode ficar indiferente à desconfiança do público nos bancos.
Salva-se o sistema financeiro e não os bancos. O redesconto e o seguro de depósitos são hoje entendidos como instrumentos normais e necessários. Devem ter sido rejeitados por alguns segmentos da opinião pública em países desenvolvidos quando criados. Foi preciso que experiências desastrosas convencessem as sociedades bem informadas a aprovar esses mecanismos.
Recentemente, aprendeu-se também que a quebra de grandes bancos tem efeitos ainda mais graves sobre a economia. Nos EUA, cerca de 5.000 bancos desapareceram nos últimos 20 anos. Nenhum grande. O mesmo tem ocorrido em outros países.
Os bancos têm papel insubstituível na formação e intermediação de poupanças, no sistema de pagamentos e na emissão de sinais para o funcionamento adequado de uma economia de mercado. Sua quebra acarretaria diminuição dramática da eficiência na alocação dos recursos da sociedade e queda do nível de bem-estar.
É por isso que todos os países exercem forte controle sobre o sistema: licença prévia para abrir bancos, níveis mínimos de capital e reservas, valores máximos de empréstimo por cliente, diversificação de carteiras, normas rígidas quanto à prudência operacional. Em muitos casos, o banco central fixa critérios para a designação dos dirigentes.
Essa intervenção não é, contudo, perfeita, como se tem visto no Japão. Mesmo assim, deixam-se quebrar empresas, mas não os grandes bancos. A diferença é que os controladores dos bancos arriscam-se seriamente a perder seu patrimônio e o seguro paga os depositantes até um certo valor.
Dificilmente se vê os empresários japoneses reclamando da "salvação" dos bancos. Aqui, empresários protestaram porque o governo não deixou quebrar o Banco Nacional, como se suas empresas ficassem imunes aos efeitos de uma crise sistêmica. Outros pressionaram os líderes de classe a pedir isonomia de tratamento.
A isonomia faria sentido se os donos das empresas pudessem perder o seu capital, ficar com seus bens indisponíveis e se tornar inabilitados permanentemente para o exercício de atividades comerciais e industriais.
Isonomia, segundo o Aurélio, é igualdade de todos perante a lei. A isonomia apenas do lado bom (os incentivos e subsídios) é capenga. Ainda bem que os líderes sérios não se deixaram levar por essa incrível onda de desinformação.

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