São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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'No início, tinha muita raiva dentro de mim'

MAURICIO STYCER
DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Como qualquer roqueiro, com uma mão Robert Smith cuida da música de seu grupo e, com a outra, da chamada atitude, a postura com que aparece publicamente.
Smith ainda desarruma os cabelos cuidadosamente, passa sombra de cor preta ao redor dos olhos e só libera fotos para uso promocional da banda depois de aprová-las.
Ainda assim, é capaz de gestos inesperados num roqueiro que já teve o apelido de Mad Bob. Ao final da entrevista, ao se despedir do repórter, desejou-lhe um cândido "feliz Natal".
Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida por Robert Smith, líder da banda The Cure, na última quarta-feira:
(MSy)
*
Folha - Você já foi chamado, com ironia, de "o líder de uma espécie de movimento da depressão". Essa definição ainda vale?
Robert Smith - Não. Odeio ser considerado o líder de qualquer coisa. No passado, fiz algumas canções que tinham a ver com uma certa mentalidade "dark". Mas isso não dá o direito de as pessoas acharem que eu sei alguma coisa sobre a vida que elas não sabem. Além do mais, nunca estive tão feliz quanto hoje em dia.
Folha - Jura?
Smith - Resolvi as coisas que me incomodavam. Quando era jovem, tinha medo de envelhecer. Também descobri que adoro tudo o que faço e estou cercado de pessoas legais, que eu gosto.
Folha - No início, você não gostava do que fazia?
Smith - Não. Quando comecei, tinha muita raiva dentro de mim. Odiava as pessoas. Hoje, tento gostar das pessoas -o que, aliás, não é nada difícil.
Folha - O novo disco já tem título?
Smith - Acho que vai se chamar "Wild Mood Swings". É um título que contempla a idéia de ficar feliz e triste ao mesmo tempo.
Folha - Quem lê o que já foi escrito sobre você nos últimos 15 anos, nota que você está sempre falando do seu estado de espírito: ou você está num período muito deprimido, ou um pouco triste, ou tentando ficar alegre...
Smith - Acho que as pessoas confundem as coisas. Se você escreve uma canção sobre a depressão, pensam que você é deprimido.
Como qualquer pessoa, há dias em que acordo de baixo astral e em outros, delirantemente feliz.
Sou como qualquer um. A diferença é que escrevo sobre os meus estados de espírito. Talvez no passado eu tenha escrito mais sobre a depressão do que sobre a felicidade. Hoje procuro equilibrar. Até porque seria falso querer parecer triste hoje em dia.
Folha - Você reclamava quando perguntavam a sua idade. Ainda é assim?
Smith - Não. Tenho... 36! Sou de abril de 1959. Não tenho problema em dizer a idade.
O problema é que, às vezes, esqueço quantos anos tenho. Há dias que me sinto com 56 anos.
Folha - Hoje você está com quantos?
Smith - Vinte e seis.
Folha - Na música "End", do disco "Wish", você escreveu: "Por favor, parem de gostar de mim. Eu não sou nada disso". Você está falando aos fãs?
Smith - Tem dois sentidos. Escrevi essa música durante uma turnê aos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, estou olhando no espelho e falando para mim mesmo. Depois, estou falando a um tipo específico de fã, aquele que me vê como um ícone, como se eu fosse o líder de uma religião.
Folha - Você tem medo de ser atacado por fãs?
Smith - Não muito. Fui atacado só uma vez, no México, mas não foi nada grave.
O cara pulou em cima de mim e só. Tenho mais medo dos caras que ficam parados na minha frente, olhando para mim sem falar nada.
É muito estranho isso... Luto para ter uma vida normal, ser uma pessoa normal.
Folha - É impossível?
Smith - Tento. Dirijo, faço compras, levo as roupas para lavar...
É óbvio que ficar meses dentro de um estúdio gravando um disco não é algo normal.
Mas não estou isolado do mundo. Não posso ficar isolado. Quando isso ocorre, você começa a ficar louco.
Folha - Você não está esperando levar um vida normal durante os shows no Brasil?
Smith - (risos) Não mesmo!
Folha - O Cure nunca tinha tocado para tanta gente ao mesmo tempo quanto na turnê brasileira, em 87. Foram mais de 100 mil pessoas no total. Como foi aquela experiência?
Smith - Foi uma surpresa muito grande. A gente achava, juro, que iria tocar para pequenas platéias, em lugares pequenos.
Chegou a dar medo ver tamanho entusiasmo e interesse das pessoas no Brasil.
Folha - Depois disso, vocês já tocaram para públicos maiores?
Smith - Já, nos EUA e aqui na Inglaterra. Neste verão, tocamos para 120 mil pessoas no festival de Glastonbury, no sudoeste da Inglaterra. É muito estranho...
Folha - Li há pouco sobre a sua militância no Greenpeace. Você participa de atividades?
Smith - Doamos parte do que ganhamos com os últimos dois discos ao Greenpeace, à Anistia Internacional e à Cruz Vermelha. Mas o Cure é uma banda totalmente apolítica. Prefiro não ser filiado a nenhuma organização.
Pessoalmente, se vejo uma banda declarar que é filiada a uma determinada organização e eu não gosto dessa banda, então passo a odiar também a organização.
Se eu digo "É preciso apoiar o Greenpeace" e o sujeito odeia o Cure, ele vai passar a odiar o Greenpeace.
Folha - Há alguma coisa de novo no rock britânico hoje?
Smith - A melhor coisa que vi e ouvi nos últimos meses foi o Supergrass. Eles são geniais. Também gosto de Oasis.
Folha - Você ainda acompanha tudo o que se passa no mundo do futebol?
Smith - Claro, adoro. Ontem, vi pela televisão o Ajax ser campeão mundial. É um time genial.
Achei muito estranho o Grêmio: ele não jogou como um time brasileiro. Eles jogam de forma muito defensiva.
Folha - O seu time, o Queen's Park Rangers, vai mal, não?
Smith - Está em terceiro lugar -só que de baixo para cima. Não vejo graça nenhuma nisso.
Folha - Já viu Juninho jogar?
Smith - Nos dois primeiros jogos não esteve bem. Acho que ele ainda não está em forma. O futebol inglês também é muito difícil para um jogador habilidoso.
Mas na última partida, Juninho esteve ótimo. Quando entrar em forma, vai brilhar muito.
Tenho um amigo que torce para o Midlesbrough e está delirando com o Juninho. É incrível como uma só pessoa pode mudar o astral de uma cidade inteira.
Folha - É a mesma coisa com o rock.
Smith - É. Dá para ver a transformação na cara das pessoas. Não entendo bem...

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