São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Dia Mundial da Aids: direitos e deveres

LUIZ MOTT

Dentre todas as doenças que acometeram a humanidade nestes últimos 5.000 anos, a Aids é a que mais vem ameaçando o mundo inteiro. Mesmo se comparada com a peste negra, que ceifou a vida de milhões de europeus nos fins da Idade Média, a Aids é ainda mais dramática: já se expandiu praticamente por todos os países do globo e, apesar dos progressos da medicina, o HIV continua indestrutível.
Diagnosticada nos primeiros anos da década de 80, a Aids tornou-se a preocupação número um da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, como uma das estratégias de prevenção da "epidemia do século", instituiu 1º de dezembro como Dia Mundial de Luta contra a Aids. A cada ano, a OMS lança um tema específico de reflexão e ação, estimulando os governos e população a que, ao menos uma vez por ano, reflitam sobre a gravidade dessa doença que, a despeito dos bilhões de dólares gastos em pesquisas, ainda é incurável. Doença que só tem uma vacina: a informação e a prevenção.
Para o Dia Mundial da Aids de 1995 a OMS sugeriu o tema "Compartilhando direitos e deveres". Quais seriam, então, os direitos e deveres da sociedade e dos portadores de HIV/Aids que mereceriam nossa reflexão e mobilização?
O primeiro direito básico de todo habitante do planeta nesta virada do milênio é ser bem informado sobre a Aids. Temos de ter acesso à informação correta e atualizada sobre as formas de transmissão do HIV, a fim de desmistificar preconceitos e controlar eficazmente a expansão do vírus.
Direito à informação ágil: os meios de comunicação devem ser mobilizados pelos poderes públicos a fim de que todos -inclusive os analfabetos, cegos, surdos, populações marginalizadas- saibam não só distinguir "o que pega e o que não pega", mas se convençam a evitar comportamentos de risco.
Não deixa de ser escandaloso e desumano que nosso pobre Ministério da Saúde tenha de gastar fortunas pagando agências de publicidade e meios de comunicação para divulgar suas campanhas de utilidade pública. Só a campanha do Bráulio custou mais de R$ 3 milhões! Urge que daqui para diante os empresários de tais agências e meios de comunicação estabeleçam parceria com o governo a fim de reduzir ao máximo os custos na produção e divulgação de futuras campanhas.
Além da informação, outro direito fundamental da população no tocante à Aids é o acesso à prevenção. Considerando que mais da metade dos portadores do HIV se contaminaram através de relações sexuais e que, malgrado todo o esperneio da Igreja Católica, a OMS garante que o preservativo é a mais eficaz barreira física de proteção contra a transmissão sexual do vírus, é imperativo que a camisinha se torne muito mais acessível e universal. É inaceitável que o Brasil exporte látex e mantenha taxas de importação e cobre ICMS para esse indispensável "salva-vidas". Por que até hoje não se instalaram máquinas "self-service" de preservativos em locais de grande circulação?
E a população em geral, os soronegativos e "sorointerrogativos" (que desconhecem sua situação sorológica), quais são seus direitos e deveres no tocante à Aids? Primeiro, além da autoproteção, evitando expor-se a situações de risco, todos devemos manter um relacionamento respeitoso face aos portadores de HIV/Aids.
É inaceitável que se dê aos "portadores" o mesmo tratamento discriminatório que era oferecido aos leprosos e pestilentos. Hoje os especialistas garantem que o contato social com pessoas contaminadas não oferece qualquer risco, posto ser necessário que o sangue, leite materno, secreções vaginais ou esperma infectados entrem na corrente sanguínea da pessoa sadia para que esta venha a se contaminar.
Todos temos de ser solidários com os portadores do HIV. E esse foi um dos aspectos mais positivos que essa tragédia mórbida trouxe neste final de milênio: o desenvolvimento da solidariedade. Nenhuma doença mobilizou tanto e tantas pessoas, inspirando a fundação só no Brasil de mais de 300 organizações não-governamentais (ONGs) destinadas à captação de recursos para a prevenção, criando casas de apoio aos portadores, atingindo grupos até então descuidados pelo poder e "caridade" públicos: drogados, homossexuais, profissionais do sexo etc.
Que deveres e direitos devem ter as ONGs/Aids? Como entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, auxiliares dos órgãos governamentais na inadiável tarefa de controlar a expansão do vírus da Aids, as ONGs devem se beneficiar das mesmas isenções e benefícios que gozam as igrejas e outras entidades de utilidade pública. Tais organizações também têm deveres, sobretudo por receberem apoio nacional e internacional: devem trabalhar com seriedade e eficiência sem cair na tentação da "indústria da Aids" e no "Aids-Tour", gastando com mordomias os recursos que se destinam a salvar vidas.
Também os soropositivos e pessoas com Aids têm deveres e direitos: se todos os cidadãos devem preservar a vida, mais razão têm os portadores de evitar situações de risco pessoal e alheio. E se todos devem usar preservativos, muito mais razão têm os que sabem que são portadores do vírus da Aids, evitando qualquer comportamento que ofereça risco de contaminar outra pessoa.
Como os portadores de outras doenças, as pessoas com HIV/Aids não são nem culpados nem mártires: igual aos demais pacientes, devem ter acesso a medicamentos e assistência médica adequada, garantia de sigilo e privacidade, direito legal aos benefícios trabalhistas e de securidade social.

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