São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Reciprocidade, o preço da generosidade

PEDRO SIMON

É tema recorrente na mídia, principalmente nos períodos eleitorais, a discussão que envolve as formas de financiamento das campanhas políticas. Enganam-se aqueles que imaginam ter o país uma lei eleitoral estruturada capaz de ditar as normas para as eleições em diferentes níveis e propiciar uma visão de futuro que exceda os períodos correspondentes aos respectivos mandatos.
Ao contrário, a cada momento que antecede as disputas eleitorais evidencia-se um verdadeiro alvoroço em torno de mudanças na lei que regerá o próximo pleito. O discurso explícito procura transmitir a esperança de uma maior transparência e de um maior rigor na apuração dos gastos de campanha quanto às suas origens e ao montante de recursos efetivamente envolvido.
Na verdade o que se coloca, no discurso político e nas expectativas da população, é a própria legitimidade dos seus representantes na formulação das leis que constroem a história do país, na tentativa de aperfeiçoar, cada vez mais, o sistema de representação.
Entretanto a própria prática tem descurado a sua distância do discurso político. O que se percebe é que as sucessivas mudanças na lei eleitoral facilitam a adaptação dos interesses momentâneos às pressões do poder econômico.
E é essa mesma prática que tem mostrado que financiar campanhas políticas tornou-se um grande negócio, pautado por contratos -ainda que informais- que chegam a movimentar cifras significativas, a ponto de se relacioná-las percentualmente com o próprio PIB do país.
As CPI's Collor/PC e do Orçamento são o retrato mais recente de como se materializam os financiamentos de campanha e das relações promíscuas que ocorrem entre doadores e tomadores após as cerimônias de posse.
Não é à toa que as leis eleitorais parecem propiciar maiores dificuldades a quem procura obedecê-las do que punição a quem não as cumpre. É por isso que as informações oficiais sobre cada uma das eleições não passam, efetivamente, de um exercício de ficção.
É bem verdade que essa não é uma marca que se registra unicamente no Brasil. Já no relatório final da CPI Collor/PC há informações de que na França, por exemplo, os recursos dispendidos nas campanhas políticas possuem o traço da velocidade. Lá, os gastos com as campanhas presidenciais em 1974, 1981 e 1988 subiram de 40 para 150 e 260 milhões de francos, respectivamente. E é a partir desse diagnóstico que o parlamento francês adotou, em dezembro de 1994, medidas radicais que proíbem doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos políticos.
O mesmo relatório mostra que, aqui, a ordem de grandeza dos números também exige maior reflexão. Em 1990, pelo menos 80 parlamentares eleitos para a Câmara teriam gasto mais de US$ 1 milhão cada. Nas eleições municipais de 92 estimava-se que o custo de campanha para as prefeituras teria atingido os US$ 20 milhões e a média de gastos para eleger cada vereador não teria sido inferior a US$ 100 mil. Se esses dados espelham a verdade, não há como acreditar nos dados oficiais da última campanha presidencial, que demonstram gastos totais, de todos os candidatos, da ordem de US$ 51 milhões.
Se os quantitativos veiculados pela imprensa são, no mínimo, duvidosos, por não espelharem a realidade, a questão se torna mais dramática quando se conhece as formas de atuação dos verdadeiros doadores de campanha e o que eles exigem em troca. A Folha, na edição de 8 de outubro, explicita a promiscuidade que marca as ligações entre os financiamentos de campanha e a alocação de dinheiro público via orçamento, rubricada exatamente pelos respectivos tomadores de tais recursos privados.
Nunca é demais notar que o quadro ali divulgado é povoado por boa parte das empresas que, segundo a CPI, contrataram assessoria fictícia de Paulo César Farias no período anterior ao impeachment de Collor. Até mesmo o então presidente, em sua defesa, alegou tratar-se de "doações de campanha".
Embora "doar" signifique transferir "gratuitamente" e "generosamente" a outra pessoa a propriedade de um bem, na prática essas contribuições constituem algo mais que doações generosas: são investimentos, cujo retorno é a inserção de emendas no Orçamento da União, de interesse dos "doadores".
A mesma Folha revela que, nas últimas eleições, o cruzamento de informações sobre contribuições de campanha com os dados da Comissão Mista de Orçamento demonstra que as doações feitas a determinados parlamentares foram retribuídas pela apresentação de emendas para obras de interesse das empreiteiras. Isso sem contar a questão do superfaturamento das obras públicas.
Não há como negar que é necessário encontrar mecanismos que permitam que o financiamento de campanhas políticas deixe de ser uma das formas mais perversas de corrupção, ao condicionar o resultado das eleições ao uso e abuso das estruturas de poder econômico, o que leva à distorção da representação política no processo democrático.
A propósito, encaminhamos projeto de lei ao Senado que dispõe sobre mudança na destinação de recursos orçamentários para o custeio de campanhas. O objetivo é ampliar paulatinamente a participação de recursos orçamentários no financiamento das campanhas políticas no sentido de que, dentro de dez anos, apenas 20% desses recursos sejam provenientes de doações particulares.
O que não se admite é o silêncio com odor de cumplicidade. É necessário repensar o uso do verbo "negociar", tão em voga, em substituição ao "discutir", especialmente no Congresso. Este mesmo tem a sua "obra inacabada" ao silenciar sobre a continuidade das investigações da "CPI dos Corruptores", que descansa inerte. Ainda bem que, ao menos, a obra divina não é inacabada. Se fosse, não existiriam os homens...

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