São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Cadáveres emparedados

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Resumo da situação do governo federal a partir da semana passada, a mais embaraçosa da política nacional desde os tempos de Collor: tráfico de influência, acusações recíprocas de roubalheira, baixarias diversas, recuos, indecisões, tentativas de ludibriar a opinião pública e -segundo a revista "Veja"- ilegalidade.
Os suspeitos eram suspeitos mesmo. Foram afastados não porque prevaricaram, mas porque foram descobertos. Se as fitas não fossem passadas à imprensa, se tudo ficasse em família, tudo continuaria no melhor dos mundos, FHC repetiria que nada mais fácil do que governar o Brasil.
Não estou sugerindo que o Planalto tenha cadáveres emparedados, alçapões que jogam os incautos no poço de jacarés famintos -essas coisas que a gente vê em filme de terror. Mas a demora de FHC em tomar providências o deixou na pior encrenca em que se meteu ao longo de sua vida pública. Ele esperou duas semanas para agir e só agiu quando o caso da corrupção no Sivam caiu na boca das matildes.
É lícita a pergunta: se nada tivesse transpirado, qual teria sido a atitude de FHC? Como diria o Nelson Rodrigues, "há pior, há pior". Depois da degola de três auxiliares diretos, a maior preocupação do governo tem sido a de garantir que nenhum telefonema do presidente foi "grampeado". O que isso significa exatamente? Evidente que seria lastimável o acesso ilegal às entranhas do Estado, ao ventre oficial do poder. Mas o receio do "grampo" parece ser de outra natureza.
O governo só tem uma opção decente: ser o primeiro a exigir uma CPI sobre o caso. Equivale, no nível particular, a autorizar a quebra do sigilo bancário. Quem não deve, não teme. A alternativa é óbvia: quem teme, deve.
Para recompor a imagem ferida, o presidente da República precisa demonstrar que, amigos à parte, ele continua a merecer credibilidade moral e administrativa. Sua demora em agir não o acusa, mas o coloca em situação delicada. Será macabro quando, em seu gabinete, começarem a aparecer cadáveres emparedados. Uma festa para os corvos.

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