São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Histórias de telefone

JOSÉ SARNEY

Os presidentes sempre foram homens preocupados com telefone. Faz parte do ofício, do perigo e da prudência. A conversa coloquial, escrita, tem outra conotação que não é original. Não só os presidentes, mas os políticos de uma maneira geral, e de resto todas as pessoas.
Getúlio Vargas não gostava de falar ao telefone. Nunca ninguém recebeu dele uma chamada. Preferia ditar os recados para Lourival Fontes, que os anotava e transmitia aos ministros.
Tancredo Neves era discreto e nada dizia. Falava muito pouco, monossilábico e misterioso. Tinha a sua própria definição de telefone. "É uma maravilha! Serve para a gente marcar encontros a que não se vai."
Gustavo Capanema era diferente. O telefone era para ele como uma cátedra. Dava aulas imensas, falava horas e horas, e o interlocutor é que deveria desligar.
Adauto Lúcio Cardoso, o grande Adauto, um dos maiores e melhores homens públicos do Brasil, certa vez, nos primórdios da fundação de Brasília, quando os serviços telefônicos funcionavam mal, com constantes linhas cruzadas e interferências, me disse: "Cuidado com telefone em Brasília. A gente não fala com outra pessoa, fala num simpósio".
Juscelino falava bem, com cuidado, elegância, precavido, mas pródigo. Castelo Branco gostava de falar. Todos recebiam suas ligações. Sempre assuntos de serviço.
Geisel, primeira tarefa do dia, cobrava explicações dos citados na imprensa. Mas prudente mesmo era o Valadares, o nosso Benedito Valadares. Certo dia, quando a Revolução de 64 foi deflagrada, o sussurro de informações privilegiadas era monopólio de uns poucos.
Dinarte Mariz frequentava os quartéis, tinha grandes amizades entre os militares, sempre sabia de tudo e por isso era uma fonte que ninguém deixava de explorar. Um dia Valadares viajou do Rio com Dinarte Mariz e sentaram-se juntos. A conversa foi aberta e rica de novidades. Dinarte contou tudo que sabia. Dinarte sabia de tudo.
Ao chegar a Brasília, quis retificar uma informação que dera ao Valadares e telefonou-lhe. Ele atendeu, voz fanha inconfundível.
"Benedito, aqui é o Dinarte. Quero lhe informar um pouco mais sobre a nossa conversa ontem, no avião."
Valadares desconfiado, respondeu:
"Ele não está."
"Como não está?!"', retrucou Dinarte. "É você e aqui é o Dinarte."
"Eu já disse que ele não está", retrucou o próprio Valadares.
Dinarte então, irritado, perguntou:
"Ô Valadares, e quem está falando aí?"
"É o rádio", respondeu o Benedito, com pressa em desligar.
Hoje, essas precauções estão frouxas e mais sofisticados os materiais de gravação. Calculem que há uns dez anos descobriram um sistema, o "ativated voice", gravador que só começa a funcionar quando a pessoa começa a falar.
Agora, na Presidência, pelo que leio nos jornais, existe um equipamento mais sofisticado, o "desatived voice". Esse que, quando o presidente começa a falar, faz o gravador parar...

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