São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Milagres e milagreiros

ALOYSIO BIONDI

As vendas do comércio da capital gaúcha cresceram nada menos de 10% em outubro, para inveja dos demais Estados. Nenhum "milagre". A reação era previsível. O produtor gaúcho está obtendo preços excelentes pelo trigo, que praticamente duplicaram de março para cá, por causa da quebra da safra mundial.
É a agricultura criando renda, consumo. O fato merece reflexão por parte da equipe FHC e de sociedade, pois indica a saída para o "esfriamento" da economia, ou recessão, dos últimos meses.
Até hoje, a queda dos negócios tem sido atribuída ao "arrocho" do crédito imposto por Brasília. Na verdade, a "paradeira" tem raízes fortes na (falta de) política agrícola do governo FHC, que, desrespeitando a lei, recusou-se a comprar as safras do começo deste ano. Por isso, os agricultores venderam suas colheitas a preços ruinosos.
A renda que deveria ter sido criada evaporou-se. Calcula-se que essa renda caiu de R$ 28 bilhões para R$ 14 bilhões (pela metade...) somente no caso dos cinco principais produtos (algodão, arroz, feijão, milho e soja). Qualquer criança pode avaliar o que significa, para a economia, a perda desses 14 bilhões de reais: menos consumo, menos vendas, menos empregos e assim sucessivamente. A economia já tendia para o "esfriamento".
A equipe FHC ignorou a realidade, e errou, ao adotar o arrocho. Agora, o governo afrouxa o crédito. Qualquer recuperação da economia resultante, no entanto, tende a ser superficial, passageira. Fruto de novo endividamento do consumidor, e não de geração de renda, que garantiria a expansão sustentada dos negócios.
Para alcançar esse objetivo, o governo FHC deve recorrer a um programa de emergência para a agricultura, procurando aumentar a próxima safra. Mesmo com a época do plantio praticamente encerrada no Sul/Sudeste, há como agir. Antes de mais nada, é preciso aumentar os preços mínimos fixados em agosto. Por incrível que pareça, eles foram reduzidos em até 30%, em relação à safra deste ano.
Com preços mínimos melhores, o agricultor seria estimulado a gastar mais dinheiro no trato das culturas já semeadas, intensificando o uso de fertilizantes, defensivos etc. -uma forma de compensar, com o aumento da produtividade, os estragos que as condições climáticas vão provocar nas colheitas do país, este ano, como aconteceu no exterior.
Para isso, obviamente, será preciso que o governo amplie a liberação do crédito aos agricultores, sem burocracia ou exigências exageradas que hoje "barram" os pequenos e médios produtores.
O apoio de emergência à agricultura é prioritário também para evitar carestia e pressões sobre a inflação em 1996: os preços dos alimentos estão "disparando" no mundo devido ao mau tempo. A recuperação da economia não virá com milagres, como o "afrouxo.
A propósito de "milagres": o ministro Malan e o presidente do Banco Central tentam convencer a sociedade de que o Tesouro não perde um centavo, com a operação de socorro ao Nacional, pela qual o Banco Central emprestou dinheiro ao banco, para que ele comprasse títulos do governo a R$ 30 e os entregasse ao próprio BC pelo valor nominal, de R$ 100. Ótimo. Vamos aderir ao espírito de Natal do governo FHC e acreditar que ele, qual Cristo em versão 2001, descobriu a fórmula milagrosa de multiplicar bilhões de reais. Já que esse milagre é tão fácil, vamos repetir a operação com os governos estaduais (por exemplo), acusados de aumentar o "rombo" do setor público. Hosanas ao governo FHC. Milagreiro.

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