São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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Especialista defende uso de pesquisa no serviço público

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de vender a British Telecom, em 84, o governo britânico pesquisou durante três anos qual a melhor forma de efetuar a venda.
O público foi ouvido. Empresários, jornalistas, especialistas foram alvo de pesquisa específica.
Tudo isso foi realizado pela mais famosa empresa de pesquisa de opinião do Reino Unido, a Mori (Market & Opinion Research International).
O presidente da Mori, Robert Worcester, 61, comandou a pesquisa sobre a venda da British Telecom e de outras 11 estatais do Reino Unido.
Considerado uma das maiores autoridades do planeta quando o assunto é pesquisa de opinião, Worcester -um norte-americano de Kansas City- defende o uso extensivo de avaliação da qualidade dos serviços públicos.
No ano passado, a Mori teve um faturamento bruto de US$ 40 milhões. Desse valor, 53% saíram dos cofres de governos locais e central do Reino Unido.
"Fizemos mais de 300 estudos para governos locais e cerca de 40 para o governo central" em 94, diz Bob Worcester, como é chamado pelos seus sócios brasileiros da CBPA (Companhia Brasileira de Pesquisa e Análise).
Fundador da Mori, Worcester diz ter orgulho das suas conquistas. "Uma vez, numa recepção, uma mulher me disse que eu não poderia ter fundado a Mori porque essa era uma instituição britânica", relata.
Worcester esteve no Brasil na semana passada e falou à Folha por uma hora e meia. Depois de 26 anos de Londres, seu sotaque norte-americano quase desapareceu.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Qual a posição da Mori no mercado de pesquisas?
Robert Worcester - Depende. Nosso negócio é "mind share" (mente) e não "product share" (produtos).
Folha - Como assim?
Worcester - Há cinco coisas que se pode fazer com pesquisa. Medir comportamento (o que as pessoas fazem), conhecimento (aquilo que pensamos), consciência (defino isso como opinião, na superfície), atitudes (as opiniões abaixo da superfície) e valores (as grandes correntes). A Nielsen, por exemplo, está mais na área de comportamento. Nós estamos mais na área de atitudes.
Folha - Qual foi a receita da Mori em 94?
Worcester - A receita bruta foi de US$ 40 milhões nas operações mundiais. Este ano, há um "boom" de pesquisas de opinião, e devemos ficar entre US$ 45 milhões e US$ 50 milhões. Cerca da metade das operações da Mori estão no Reino Unido.
Folha - Qual o tamanho desse mercado de pesquisas?
Worcester - No Brasil é de aproximadamente US$ 120 milhões por ano. No Reino Unido é de US$ 600 milhões por ano. O mercado europeu total é de 3 bilhões de ECUs (Unidades de Moeda Européia, equivalentes a US$ 2,3 bilhões). Esses números são estimativas. Os EUA são o maior mercado. Em segundo vem o Japão. No terceiro lugar, empatados, estão Reino Unido e Alemanha.
Folha - Esses mercados incluem o quê?
Worcester - É um grande "mix". Nesse mercado você tem todo o tipo de mídia: televisão, jornais, revistas, cinema...
Folha - Pesquisas políticas?
Worcester - Esse é um nicho diferente, muito pequeno. Por exemplo, na Mori, de todas as pesquisas que conduzimos, só 3% da receita vêm de trabalhos realizados para políticos.
Folha - Mas em anos eleitorais a receita com pesquisas políticas deve aumentar. Ou não?
Worcester - Sim, mas ainda é uma parcela pequena. Pode pular de 3% para 5% ou 6% do faturamento.
Folha - Qual a sua impressão da qualidade das pesquisas de opinião feitas no Brasil?
Worcester - Uma das razões de eu estar aqui é transmitir ao mercado que os padrões qualidade não foram, no passado, tão bons como deveriam. A Mori conquistou a ISO 9000 há dois anos. Aqui no Brasil esse certificado está começando a ser requisitado no setor de serviços.
Folha - De que forma a Internet poderá ajudar na forma de aplicar pesquisas de opinião?
Worcester - A informação é muito mais rápida hoje. Posso mandar milhares de informações de um país para outro em minutos.
Folha - Mas e a aplicação da pesquisa propriamente? Será possível fazer entrevistas sem a presença do pesquisador, só com a ajuda do computador?
Worcester - É possível, mas seria tendencioso.
Folha - É necessário sempre ter o entrevistador para monitorar a entrevista?
Worcester - Eu acho que sim.
Folha - Como funciona a avaliação dos serviços públicos no Reino Unido e qual a participação das empresas de pesquisa de opinião?
Worcester - Foi um desenvolvimento muito importante em democracias participativas. A Comissão de Auditoria é o órgão responsável por fiscalizar a probidade financeira do governo e de suas agências. Mas, em 1986, essa comissão começou a avaliar a satisfação dos cidadãos.
Folha - Isso foi adotado por meio de uma lei?
Worcester - Não há uma lei. Cada autoridade local começou a testar a satisfação dos seus cidadãos sobre tudo: iluminação de rua, coleta de lixo, manutenção de asfalto, bibliotecas, escolas, polícia etc. Nós, na Mori, já fizemos mais de 1.000 estudos para medir a qualidade de serviços locais. Isso deve ser feito, na minha opinião, em todos os países democráticos. Talvez seja necessário no Brasil.
Folha - O sr. poderia citar algum exemplo de avaliação de serviço público feito pela Mori que levou uma autoridade e mudar sua política?
Worcester - No condado de Kent, os moradores consideravam terrível a conservação das ruas e estradas. A autoridade local teve de melhorar o serviço e a comunicação com a população. Nesse caso, além de consertar um buraco, eles colocavam uma placa dizendo, por exemplo: "Este buraco surgiu quinta-feira. Nós estamos consertando hoje, segunda-feira. Desculpem-nos pelo atraso."
Folha - O que aconteceu na próxima pesquisa de opinião?
Worcester - A aprovação era apenas de 27% na primeira pesquisa. Depois, em dois anos, subiu para 45%.
Folha - Qual foi o faturamento da Mori com pesquisa de opinião para governos locais no Reino Unido?
Worcester - Mais da metade, 53%, das minhas receitas no Reino Unido são provenientes do setor público. No ano passado fizemos mais de 300 estudos para governos locais e cerca de 40 para o governo central.
Folha - O processo de privatização britânico colocou vários serviços fora da esfera governamental. As empresas privadas continuam a fazer pesquisa para avaliar o grau de satisfação dos usuários?
Worcester - Mais do que o governo. Antes disso quero dizer que a Mori fez pesquisas que precederam 12 privatizações. O mais importante que fizemos foi para a British Telecom.
Folha - Que tipo de informação se buscou no caso da privatização das telecomunicações no Reino Unido?
Worcester - A privatização foi só em 83/84, mas começamos a trabalhar para eles em 81. Queriam uma avaliação da imagem da empresa. Fizemos pesquisa com o público em geral, investidores, jornalistas, corretores e banqueiros.
Folha - Quais foram as conclusões e como isso influenciou o processo de venda da empresa?
Worcester - O grande debate era sobre como seria efetivada a venda. Havia um objetivo político (colocar o máximo possível de ações nas mãos da população) e um mais econômico (conseguir dinheiro, vendendo para um grande comprador estrangeiro).
Folha - Como se decidiu?
Worcester - Fixou-se em cem o número máximo de ações que cada pessoa poderia comprar. Conseguiram 1,5 milhão de acionistas. O que, na opinião da empresa, era ruim: pois custava caro para companhia monitorar tantos acionistas.
Folha - Como se atraiu tantos acionistas?
Worcester - Essa foi outra discussão. A Mori fez pesquisas a respeito. Havia duas opções. Uma era dar cupons para que o acionista usasse para pagar uma parcela de sua conta telefônica. A outra alternativa era oferecer uma ação a mais por ano para cada dez ações que o acionista mantivesse em seu poder por três anos.
Folha - E qual foi a opção escolhida?
Worcester - O governo achava que ninguém iria querer ações. Achavam que a população iria preferir dinheiro na mão: o cupom para pagar a conta telefônica. Mas a pesquisa da Mori mostrou que a preferência não era essa. Por 2 a 1 venceu a opção de longo prazo: manter as ações por três anos e ir ganhando novas ações ao longo do tempo.

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