São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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Negros ao poder!

FERNANDO CONCEIÇÃO

Os artigos de Josias de Souza (Folha, 15 e 17/11/95) comentando declarações de Pelé, feitas durante encontro com os organizadores da Marcha sobre Brasília, são pérolas pavlovianas da reação racista brasileira. É a tentativa de cristalização do senso comum no sentido de que qualquer reivindicação de caráter político feita por negros, para negros, seria o que se chama "racismo às avessas".
Por cinco meses, o Movimento Negro brasileiro -em suas mais diversas organizações- construiu o ato público que aconteceu na capital da República no 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra e dos 300 anos do assassinato de Zumbi. Nesses 150 dias, a imprensa manteve distante do noticiário as atividades de organização da Marcha a Brasília.
A cobertura da mídia foi vergonhosa. Mantendo seu complexo de inferioridade em relação ao que vem de fora, os jornais brasileiros deram mais espaço à convocação feita por Louis Farrakhan do ato sobre Washington. Quando se trata de noticiar a Marcha sobre Brasília, vem o insigne colunista da Folha fazer comparações esdrúxulas, no propósito de esvaziar o conteúdo político da maior manifestação pública feita nos últimos anos contra o racismo em nosso país.
As elites brasileiras toleram e louvam Pelé se ele se mantiver no "seu lugar" -o lugar predeterminado por aquelas elites para os negros. Como "rei do futebol", o cidadão Edson Arantes do Nascimento é cantado em verso e prosa. "Pelé? Ele é bom na bola. Para governar o país, não!". Negro bom, quando não é o negro morto, é o negro subserviente.
Da senzala à favela, o círculo vicioso da ideologia do racismo no Brasil tem sua eficiência na negação de que aqui existe racismo. Ao evitar o debate do problema, as elites brasileiras procuram desacreditar o discurso afirmativo da identidade negra, que está na hora de ser cada vez mais um discurso raivoso, com fúria.
O MPR aproveitou a Marcha a Brasília e entregou ao Congresso Nacional, no 20 de novembro, a proposta de lei do movimento pelas reparações - exigindo indenização em dinheiro e políticas compensatórias para os descendentes de africanos escravizados no Brasil. Os deputados Paulo Paim, Domingos Dutra, Aldo Rabelo, Luciano Zica, Adelson Salvador, João Carlos Coser, Jacques Wagner e Marcelo Deda devem apresentar oficialmente o projeto, ainda na presente legislatura. São exigências como essas que provocam, como um reflexo insano e incontrolável, a fúria dos que se acostumaram a ver o negro apenas rebolando, servindo cafezinho, nas caçadas policiais ou jogando futebol. Basta!

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