São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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A quatro mãos (3)

WASHINGTON OLIVETTO; MARCELO PIRES

WASHINGTON OLIVETTO e MARCELO PIRES
Hoje a publicidade é a carreira mais procurada nos vestibulares, mas durante muitos anos, redatores e diretores de arte sofreram fortes preconceitos e a atividade era considerada coisa de escritores e pintores frustrados. Isso aconteceu principalmente entre os anos 50 e o meio dos anos 70. Nos anos 80 o preconceito quase mudou de lado e, ingenuamente, se comentava que para ser um grande criador você tinha de almoçar, jantar e dormir publicidade. Agora as coisas estão mais equilibradas e profissionais verdadeiramente maduros sabem que nada impede um publicitário de exercitar seu talento em outras formas de comunicação.
Um bom exemplo disso é Marcelo Pires. Além de ser um dos grandes nomes da criação publicitária brasileira, Marcelo também é autor -em companhia dos também brilhantes e também publicitários Jarbas Agnelli e Camila Franco- do livro infantil "Liga-Desliga", já em terceira edição pela Cia. das Letrinhas. E agora teve suas crônicas, P.S. do P.S. do P.S., originalmente publicadas na "Capricho", transformadas em livro pela editora Casa Amarela, também com grande sucesso. Convidei o Marcelo para descrever um pouquinho essa experiência.
Eu escrevi um livro pra crianças. E não sou autor infantil. Escrevo crônicas. E não sou cronista. Escrevo pra adolescentes. E não sou autor teen. Eu sou, meu caro leitor, publicitário. E de carteirinha. O que significa dizer: sou o famoso especialista em coisa nenhuma. Se receber um "briefing" de Bombril, viro dona-de-casa. Se o "briefing" for de Rider, viro o mais brasileiro dos brasileiros. Se o "briefing" for de BMW, o mais alemão dos alemães. E, como estou na profissão desde 82, já virei tanta coisa que, pasmem, virei até um redator respeitado. Era justamente neste ponto que eu deveria estar virando um tipo muito comum no mercado: o tremendo babaca. Mas tenho resistido. E essa resistência se deve mais à sorte do que a qualquer tipo de virtude. A vida tem me empurrado não para o release, mas para outros tipos de texto.
Alguns anos atrás, Camila, redatora, e Jarbas, diretor de arte, dividiam um mesão de trabalho comigo. Quer sorte maior? A gente se dava tão bem, mas tão bem, que, nas pouquíssimas horas de folga, resolvemos trabalhar mais um pouquinho. Não em filmes-fantasmas para inscrever em Cannes. Não. A gente fez um livrinho infantil: o "Liga-Desliga". Depois a sorte me colocou cara a cara com a Mônica Figueiredo, da "Capricho". Ela encomendou um texto para a coluna "Fala, Menino" (apesar de eu não ser mais menino). A princípio, fiquei confuso: como escrever para adolescentes? Na dúvida, preparei quatro textos para a Mônica escolher um deles. Mônica viu tudo aquilo, percebeu que os quatro tinham sido escritos em apenas uma semana, e não teve dúvida: eu conseguiria escrever uma coluna fixa na revista.
Acho que ela tinha razão. Já escrevo lá há dois anos e meio. E esses artigos, agora, acabam de virar livro pela editora Casa Amarela (idéia da Casa Amarela, não minha). Dá pra perceber? Eu fui me adaptando à sorte e, junto, aprendendo a adaptar o meu texto. E o que é o publicitário senão um adaptador de linguagem? Eu escrevo sim para crianças e para adolescentes. Mas não sou bacharel nem em um nem em outro (inclusive, nem tenho filhos). E é bem capaz que, no futuro, você me pegue escrevendo para outros segmentos com a mesma naturalidade que, acredito, consegui escrevendo para garotas. Essas escapadelas estão, na verdade, reforçando uma habilidade que é essencial para quem quer ser bom publicitário: a habilidade de estar em sintonia com as pessoas -e não em conflito; a alegria de ser contemporâneo -e não de vanguarda; o desejo de ser explícito -e não esotérico. Ou seja: escrever fora da propaganda aumenta minha vontade de ser pop. Tanto é assim (maldita formação publicitária!) que eu não conseguiria me despedir de vocês sem acrescentar um breve adendo a este texto.
P.S.: Compre P.S. do P.S. do P.S. para a sua filha. Já nas livrarias, por apenas R$ 10.

WASHINGTON OLIVETTO E MARCELO PIRES são, respectivamente, presidente e diretor de criação da W/Brasil.

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