São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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Minha terra brasileira

LUÍS NASSIF

No aparelho de som, João Bosco arranca do fundo do peito gemidos de exilado. "Nossas praias são tão claras/ nossas flores são tão raras/ isto é o meu Brasil/ (...) Minha terra brasileira/ Ouve esta canção ligeira/ Que eu fiz quase louco de saudade".
Assusta a reentrada no burburinho do dia a dia, tendo como pano de fundo a canção "Rio de Janeiro" (Isto é o meu Brasil) de Ary Barroso.
No início dos anos 70, frases como "isto é meu Brasil" soavam piegas, excludentes como o execrável "ame-o ou deixe-o".
Era compreensível a resistência aos louvores patrióticos. Os donos do poder não se apropriaram apenas do Estado brasileiro, mas dos símbolos pátrios. O hino, a bandeira, a exaltação, os personagens da história, heróis ou não, eram deles.
Havia poucos momentos mágicos de união, como nas copas do mundo, em que barreiras eram derrubadas provisoriamente, desarmavam-se resistências e cantava-se despudoradamente o Brasil.
Hoje em dia o jogo é outro. Vive-se uma democracia, imperfeita mas em construção, onde ampliaram-se sensivelmente os círculos de influência, e gestou-se a entidade básica de todo sistema democrático -opinião pública.
É "minha terra brasileira", sem dúvida, país que está sendo forjado por brasileiros de todas as cores políticas. Torcer para que o país não dê certo, a pretexto de punir o presidente, é perder perigosamente o foco dos interesses nacionais.
Em construção
Há um país em reconstrução, com enorme passivo a ser resgatado, que não pode esperar. Há milhões de miseráveis esperando para sair da linha de miséria, milhões de exilados pela crise e pela vergonha dos anos 80.
Não se sabe ao certo o que as presumíveis gravações de conversas presidenciais irão revelar. É provável que mostrem o presidente deslumbrado com o poder, ou vacilante ante temas complexos. É até possível que revelem seu lado sarcástico, ou até fescenino. Mas jamais um presidente desonesto ou não comprometido com mudanças.
Não se pode confundir pecados capitais -como desonestidade, ou atos que deponham contra interesses nacionais- com os pecadilhos da vaidade e do deslumbramento.
Há a necessidade de critério na avaliação dos fatos, para não se ressuscitar um denuncismo sem embasamento. Até agora os fatos revelaram um caso militar mal-explicado (o Sivam), e uma escuta produzida por auxiliares de confiança do presidente, para protegê-lo de auxiliares de confiança. O episódio pode até demonstrar que as intrigas palacianas são exageradas. Mas não comprovam a existência de mar de lama algum.
Exorcizando
No fundo, a crise resume-se a dois pontos que precisam urgentemente ser exorcizados, para devolver o país à normalidade:
1) Há o lado militar da crise, que é o Sivam. Sob a capa de segurança nacional, permitiram-se decisões bilionárias em ambiente fechado. Um dos pilares da segurança nacional é a imagem institucional do governo. Manter o Sivam fechado significará contaminar o governo com o vírus da desconfiança. Insistindo no assunto, as Forças Armadas colocam em risco seu compromisso histórico com a segurança nacional.
2) Há cheiro de chantagem no ar, nas ameaças de cidadãos do parlamento e da Polícia Federal. Se há motivos concretos que o governo tema, que sejam revelados, para que a opinião pública avalie seus governantes. Se não existirem, que sejam denunciados. O que não se pode é deixar que ameaças veladas de chantagem fiquem sem resposta. Significaria deixar não o presidente, mas o país de joelhos ante qualquer aventureiro.
O senador Antônio Carlos Magalhães tem compromisso histórico com o país, levando até o fim as investigações sobre as atividades do senador Gilberto Miranda. Se recuar -e não pagar para ver- jamais se removerão as suspeitas sobre o governo.
Já o presidente tem a responsabilidade perante o país de vencer suas indecisões, encerrar com a maior brevidade a novela Sivam e retomar o processo de reformas.

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