São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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MIGUEL JORGE

Por má-fé ou desconhecimento, a modernização da indústria automobilística no Brasil tem sido mal-entendida por importadores de veículos, pelos críticos de sempre do setor e até por alguns investidores que ora confirmam, ora desmentem seus planos de montar novas fábricas no país.
A modernização precisa ser compreendida, basicamente, como um processo de mudanças provocado pela abertura à globalização da economia, capaz de integrar-nos à competição mundial e criar um crescimento capaz de melhorar as condições de vida dos brasileiros.
Quando todas as nações procuram renovar seu parque automobilístico, as notícias publicadas sobre intenções de investimentos japoneses e coreanos no setor mostram um conhecimento pouco sólido sobre o Brasil, sua política econômica e o tal protecionismo à indústria aqui instalada.
As críticas a um suposto protecionismo baseiam-se na medida provisória que acaba de ser reeditada pelo governo e incentiva a exportação do setor, que passa a ter determinadas facilidades para a importação, principalmente de peças, componentes, máquinas e equipamentos, para permitir uma modernização dos produtos e do parque instalado.
Esse assunto mereceria uma análise mais séria no momento em que países concorrentes unem-se para disputar grandes mercados, com o Mercosul, União Européia etc., mudando alguns dos principais eixos de trocas de veículos no mercado internacional. Há algumas notícias sobre o tal protecionismo e algumas reações, que são das mais interessantes.
A coreana Hyundai, por exemplo, teria cancelado projeto de instalar uma fábrica de automóveis no Brasil, na qual alegava que aplicaria US$ 400 milhões, por causa da alíquota de importação de 70% imposta pelo governo.
Mas a japonesa Honda confirmou, em Tóquio, que começará a fabricar carros no país em 1997, exatamente por causa da elevação da alíquota para 70%, que reduziu as vendas de seus importados e que dá segurança de que se pode produzir aqui.
A Toyota, outra japonesa, criticou a elevação das alíquotas do imposto de importação e decidiu adiar seus investimentos no país, "onde as regras são instáveis", segundo seu presidente local. No Japão, duas semanas depois disso, a matriz anunciou que a Toyota pretende seguir a Honda e instalar no Brasil a montagem de carros.
Os argumentos de quem não quer investir no Brasil são dos mais variados: a infra-estrutura do país ainda é precária, as regras econômicas instáveis inviabilizam investimentos, não há política agrícola, as reformas constitucionais são lentas, os juros são muito altos; enfim, o país ainda não está "pronto".
Esses investidores se esquecem de que a modernização do setor automobilístico nacional não vem sendo impulsionada pelo setor público, mas sim pelos esforços do setor privado, apenas com a participação ordenadora do governo.
O próprio setor automobilístico reconhece, sem falsos discursos, que quanto mais cedo todos perceberem que a modernização é inevitável -com uma política industrial de longo prazo- melhor será para o setor, para os importadores e para a sociedade. Com toda essa instabilidade, e mais a carga tributária, a indústria montadora aqui instalada investirá entre US$ 9 bilhões e 12 bilhões até o ano 2000 -só a Volkswagen investirá US$ 2,5 bilhões.
Isso é modernização, conceito já profundamente incorporado ao vocabulário dos grandes fabricantes de veículos, sendo ainda aspiração de numerosa corrente de consumidores de veículos em todo o mundo. Mas modernização com realismo, pois em 1996, apesar da perspectiva de inflação baixa, entre 15% e 20%, de crescimento do PIB entre 3 e 4% e de balança comercial com déficit de US$ 1,5 bilhão, o setor sabe que o crescimento demográfico nacional abre chances econômicas e, também, motivos adicionais de tensão.
Segundo o Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil tem 4,8 milhões de famílias com renda mensal de até um quarto do salário mínimo, ou R$ 25, as quais abrigam 18,5% dos 38% de adolescentes e crianças que compõem grande parcela de nossa população.
Avaliar ou não se convém investir no Brasil na produção de automóveis ou em outro setor depende do contexto, de prioridades de investimento, de inúmeras variáveis. Mas há uma ressalva: nenhuma delas pode desconhecer que os brasileiros não se conformam apenas com o patrimônio da liberdade, pois, hoje, esse povo persegue com igual intensidade melhores oportunidades de vida.

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