São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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Subdesenvolvimento não se improvisa

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O brasileiro tem uma paciência de Jó. Neste mundo cruel em que vivemos, excesso de paciência raramente é recompensado. Ao contrário, estão nos impingindo, por exemplo, a nós, inocentes contribuintes, as contas multibilionárias de bancos quebrados.
O desequilíbrio patrimonial do Banco Econômico chegaria a R$ 1,8 bilhão, segundo estimativa extra-oficial atribuída ao Banco Central (BC). O do Banco Nacional, a pelo menos R$ 2 bilhões.
Toda essa história está ainda muito mal, mas muito mal explicada mesmo. Como o brasileiro se contenta, em geral, com sofismas, evasivas e justificativas esfarrapadíssimas, questões fundamentais não são discutidas a fundo e vão ficando sem resposta.
As medidas provisórias editadas pelo governo em novembro aumentaram substancialmente o poder e a margem de manobra do BC. Não se nota, entretanto, nenhuma preocupação do governo no sentido de apresentar os devidos esclarecimentos ou de reforçar mecanismos de prestação de contas.
As exposições de motivos das referidas medidas provisórias são de uma pobreza franciscana. As entrevistas e os depoimentos do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central não primam pela transparência. E, como ninguém cobra nada, vai tudo passando em brancas nuvens.
Nos países desenvolvidos, o aumento do poder discricionário costuma vir acompanhado de um fortalecimento da "accountability", dos canais e procedimentos para prestar contas à opinião pública e ao Congresso.
Aqui, não. Um integrante da equipe econômica chegou a afirmar que é "perda de tempo" indagar quanto dinheiro do contribuinte será utilizado em bancos como o Econômico e o Nacional. Devemos entender que o governo está pedindo um cheque em branco ao contribuinte? É realmente imensa a distância que nos separa da civilização!
As questões ainda obscuras são muitas. Vamos a uma pequena amostra.
1) O governo não tem a obrigação de prestar contas da negociação que resultou na cisão do Nacional em uma parte boa, absorvida pelo Unibanco, e uma parte essencialmente podre, que ficou com o BC? Onde está a demonstração de que o resultado dessa negociação foi adequado do ponto de vista do interesse público?
Só na semana passada, graças a informações sobre a negociação prestadas à Comissão de Valores Mobiliários, veio a público que o Unibanco não desembolsou um único e mísero tostão em dinheiro para adquirir a parte sadia do Nacional. A operação envolveu a transparência de R$ 682 milhões em ações e mais R$ 300 milhões a serem pagos em cinco anos, com dois de carência, e juros de TR mais 8% ao ano.
2) O governo afirma que ainda não teve tempo de estimar o desequilíbrio patrimonial do Nacional. Mas algumas informações o BC tem, certamente, condições de fornecer. Por exemplo: qual o montante de recursos emprestado por bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e o próprio BC) ao Econômico e ao Nacional? Essa pergunta foi feita ao ministro Pedro Malan e ao presidente do BC, Gustavo Loyola, em debate com parlamentares no Congresso, na semana passada. As autoridades alegaram não dispor de informações seguras...
3) Os incentivos fiscais oferecidos na medida provisória que estimula fusões e incorporações bancárias não contrariam uma das diretrizes básicas do projeto de lei do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), apresentado recentemente pelo próprio governo?
Esse projeto, que ainda está tramitando, e com dificuldades, no Congresso, prevê a extinção de uma série de brechas, isenções e deduções, com o intuito de aproximar as alíquotas efetivas das nominais e de permitir a diminuição dessas últimas. Com que legitimidade poderá o governo insistir na validade da sua proposta para o IRPJ? Para os bancos, seria o melhor dos mundos: redução substancial das alíquotas nominais e, ao mesmo tempo, ampliação das hipóteses de renúncia fiscal no caso de fusões ou incorporações.
4) Como estimular o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil no quadro de insegurança jurídica criado pelo uso indiscriminado de medidas provisórias?
Os acionistas minoritários vêm sendo duramente atingidos pelas medidas recentes. Na medida provisória do início de novembro, foram suprimidas diversas prerrogativas dos acionistas minoritários estabelecidas na lei das S/A.
No caso do Nacional, os minoritários passaram, de um dia para o outro, de proprietários de um dos maiores bancos do país a sócios de uma massa falida sob administração do BC, depois que o grosso da parte sadia do banco foi para as mãos do Unibanco em uma transação realizada sem a sua participação e, até agora, não totalmente esclarecida.
Em sociedades mais maduras, questões como essas seriam objeto de discussão pública intensa e acalorada. O governo se veria obrigado a prestar contas de suas ações de forma exaustiva. Mas, como dizia Nelson Rodrigues, "subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos."

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