São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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Benshi multiplica os horizontes do cinema

OLGA FUTEMMA; JOSÉ FRANCISCO MATTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exatos dez anos antes de o mundo descobrir o cinema oriental com a exibição de "Rashomon" no Festival de Veneza de 1951, o governo militarista do Japão proibiu a fabricação de películas em nitrato, com o qual eram feitos os filmes sem pista de som, a fim de que o material fosse utilizado apenas como explosivo.
Por aí se vê que a passagem definitiva do silencioso para o sonoro se deu de forma bastante singular no país. As primeiras tentativas datam de 1927, mas só em 31 um filme sonoro, "Madamu to Nyobo", de Heinosuke Gosho, obteve sucesso de público. A permanência ainda em 1941 de películas silenciosas pode ser explicada pela existência dos "katsuben", mais conhecidos fora do Japão como benshi (locutor, narrador). Esse artista acompanhava, e ainda hoje acompanha as projeções ao lado da tela, completamente visível (ao contrário de dubladores do cinema ocidental que se "escondiam" atrás da tela), e conta para a platéia a estória que está sendo mostrada. Mas não narra simplesmente. Lê os intertítulos, uma necessidade quando se trata de filme estrangeiro, faz comentários, cria diálogos, "guia" emoções. Ele de fato realça o filme sem voz, estimula outros sentidos para que se articulem com a visão, transforma o cinema silencioso numa experiência sensorial mais completa.
Espetáculo
Com essa liberdade no seu trabalho, o benshi pode chegar até a subverter os desígnios de uma fita, não se submetendo à fala impressa, criando tensões, através de ironias ou comentários oblíquos, entre suas palavras e o que é mostrado na tela. Ao transferir para a sala de cinema a tradição dos contadores de estórias, em que o que se conta está, claro, no passado, captura para si a incumbência do espetáculo presente.
Em sua arte vocal estava a valorização de um filme, ou mesmo a salvação de um mau filme. No auge de sua popularidade, de 1927 a 1931, ele era considerado o astro da apresentação de um filme. Organizavam-se torneios para comparação de talentos e a publicidade de uma fita era estruturada em torno de seus nomes. Se no período do cinema primitivo houve a real necessidade de sua presença, principalmente para comentar costumes desconhecidos em obras estrangeiras, com o aperfeiçoamento da linguagem cinematográfica, a explicação passou a dar suporte ao estilo da fita.
Legitimidade
A sintonia entre o estilo do filme e o do benshi que o apresenta faz desse artista o representante de sua platéia. Quanto mais ele reage à obra como seu público espera que o faça, maior a sua legitimidade em liderá-lo. Para o pesquisador de cinema japonês J. L. Anderson, "como outros performers, o benshi busca que sua atuação transcenda o significado das palavras. O processo é o que deverá entreter. É o que fará do evento, arte".
É essa arte que estará sendo apresentada no MIS nas atuações de Midori Sawato, a mais importante benshi de todo o Japão.

OLGA FUTEMMA, 44, é cineasta, e JOSÉ FRANCISCO MATTOS, 36, é pesquisador

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