São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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A cidade, o buraco e o retrato

ALOIZIO MERCADANTE

São Paulo precisa se repensar como cidade. Discutir com profundidade seus graves problemas e resgatar suas raízes históricas e imenso potencial. São Paulo precisa de um projeto estratégico, que negocie com todos os agentes econômicos e sociais os megaproblemas que se acumularam ao longo dos anos.
A cidade está sofrendo um processo de desindustrialização e desassalariamento, convivendo com uma massa de mais de 1 milhão de desempregados.
Gerar emprego e renda compatíveis com a preservação ambiental é uma batalha dura e decisiva e deveria ser uma preocupação central do poder municipal, por meio de um plano de desenvolvimento que promova novas parcerias com a iniciativa privada, impulsione o acesso às novas tecnologias e assuma a regularização da economia informal, que abriga 49% da população economicamente ativa da região metropolitana.
A prefeitura tem de combater a exclusão social em todas as frentes e promover a distribuição de renda, cultura e qualidade de vida para a periferia. Essa tarefa prioritária depende da universalização das políticas sociais básicas como a educação, uma exigência da cidadania e das novas formas de produção.
E na área da saúde a suspensão do PAS, uma aventura que contraria todos os pareceres técnicos e a legislação vigente. A cidade deve municipalizar o sistema de saúde, unificando a gestão de recursos e equipamentos disponíveis.
A cidade está parando. Nos horários de pico circula-se nas principais artérias a uma velocidade média de 15 km/h, reflexo do colapso do sistema de transporte público. É preciso agir com eficácia sobre os pontos de estrangulamento e concentrar recursos orçamentários no resgate do transporte coletivo.
Porém não é isso que está ocorrendo. A gestão Maluf tem uma evidente opção pelas grandes obras viárias para automóveis, concentradas nas áreas mais ricas da cidade, e promove um monumental endividamento público. Tudo isso envolto em um competente marketing que obscurece os grandes problemas da metrópole e esconde a ausência de um projeto global e minimamente articulado para São Paulo.
Os porta-vozes do prefeito tentam negar o endividamento, mas os balancetes patrimoniais oficiais revelam uma dívida mobiliária em 31/12/92, quando a gestão Erundina encerrou seu mandato, de R$ 1,1 bilhão. O último balancete enviado à Câmara Municipal, com a posição do passivo permanente em 31/8, indica um montante de R$ 3,5 bilhões, ou seja, um aumento real de cerca de 220%! Em resumo: a atual prefeitura herdou uma dívida total de R$ 2,5 bilhões e até o momento já deixa uma dívida de R$ 4,7 bilhões!
O mais preocupante é o aumento da dívida mobiliária, em função da emissão de Letras Financeiras do Tesouro Municipal (LFTM). Esses títulos estão expostos à brutal taxa de juros imposta pela política econômica do governo federal que, mantida como está, poderá dobrar a dívida atual a cada três anos!
A Constituição de 1988 limita a emissão desses títulos à rolagem das dívidas já existentes ou para pagamento de precatórias judiciais referentes a desapropriações. No entanto, segundo a própria coordenadoria do controle da dívida pública, por meio do cronograma de amortização da dívida fundada, a prefeitura emitiu, até agosto de 1995, títulos no montante de R$ 650 milhões.
Dados do Sistema de Execução Orçamentária (SEO) indicam que o valor pago de precatórios judiciais nesse mesmo período não ultrapassa R$ 85 milhões. Maluf endivida São Paulo e desrespeita a legislação vigente, como confirma o próprio parecer do Banco Central encaminhado ao Senado Federal.
O mais grave é que estamos comprometendo o futuro com obras de duvidosa prioridade. O orçamento é antes de tudo uma peça política, é o retrato mais fiel de um governo. Como revela um trabalho do vereador Odilon Guedes, a Secretaria de Vias Públicas investiu R$ 809 milhões, 58,67% dos seus recursos, nos Jardins. A zona leste recebeu apenas R$ 135 milhões (9,83% dos recursos disponíveis) e a zona norte, 1,73%.
A prefeitura continua construindo viadutos na região mais rica quando a cidade precisa de transporte de massa como o metrô e os corredores para ônibus. Em 1970, o transporte coletivo era responsável por 70% do transporte na cidade e hoje responde por apenas 56%. Um único túnel seria o suficiente para assegurar a contrapartida junto ao Banco Mundial e BNDES para construir o terminal do metrô que ligaria a avenida Paulista à Vila Sônia. Maluf está abrindo um buraco no orçamento sem enfrentar o problema estrutural do trânsito.
Uma das funções primordiais do Estado é diminuir as desigualdades sociais, especialmente em uma cidade partida entre oásis de riqueza e guetos de miséria na periferia. A vereadora Aldaíza Sposati demonstrou que, no orçamento aprovado pela Câmara para 1994, havia a previsão de construção de 22 creches, 55 escolas de educação infantil e 27 escolas de primeiro grau.
Na prática não foi executada nem uma creche e apenas nove escolas. Neste ano o orçamento previa a construção de 56 creches, das quais apenas 1 está sendo construída, e de 107 escolas, das quais apenas 5 saíram do papel. O prefeito desrespeita o orçamento da cidade e confronta o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Como o PT já vem fazendo em várias cidades do país, precisamos construir o orçamento participativo e descentralizar sua execução, implantando subprefeituras nos bairros com os respectivos conselhos de representação popular, como estabelece a Lei Orgânica do Município. O fato é que com Maluf a dívida cresce e os recursos não estão ajudando a enfrentar os problemas estruturais e a resgatar a dívida histórica dessa cidade com sua periferia, a tal dívida social.

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