São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Luzia na horta

JOSUÉ MACHADO

"As expressões 'face a' e 'frente a' são usadas por articulistas da Folha com frequência", escreve o leitor Aristides Nunes, de São Paulo. E manda provas: "Face às carências sociais do país, o Sivam,...", "Face às ainda elevadíssimas...", "...frente à crise no Econômico...", "...independência frente ao Tesouro...". Diz ele que alguns gramáticos as condenam.
O leitor tem razão de estranhar: "face a" e "frente a" não existem em nossa língua. Não se sabe quem as inventou. Uns dizem que foi o Maluf, outros, o Quércia, outros, o Fleury, outros, o pessoal do diálogo grampeado sivanesco. O que se sabe é que elas resultam do encontro sorrateiro de expressões alienígenas. Exóticas, diríamos em outros tempos. Tempos em que era preciso organizar almoços e jantares de desagravo a autoridades militares magoadas ou ofendidas. Mas isso já passou. Felizmente.
Claro que a língua recebe contribuições todos os dias. Os bancos também. Mas são bem-vindas as contribuições que revelam novos matizes e não trombem com o que a língua já tem de bom e de sobra, diria o preclaro Conselheiro.
É possível que na Folha tais expressões exógenas, diziam eles, tenham sido inoculadas nos computadores por criaturas perversas. Talvez alguma nova modalidade de grampo computatorial com poder de interferir no texto.
As boas expressões correspondentes à idéia que esses dois pares de palavras parecem expressar são "em face de", "diante de", "ante", "perante".
"Diante das (ante as) carências sociais do país,...". "Entretanto, em face das ainda elevadas...". "... ante a crise do Econômico...". "... independência perante (ante) o Tesouro...".
Quanto a "em frente de" ou "em frente a", também registradas e abonadíssimas, em geral são ligadas a ocorrências físicas.
Há autores que consideram "frente a" equivalente a "em frente a", por considerarem subentendida a preposição "em". Melhor ficar com a maioria: "em frente de" e "em frente a".
"O comandante Gramposo mandou o jatinho apanhar o embaixador em frente à casa dele".
"O embaixador foi visto em lágrimas na frente do cassino em Las Vegas com um grampinho de ouro na lapela".
"Encontrei Luzia sorrindo na frente da horta".
"Avistei Luzia em frente à horta, antes que aquilo acontecesse".
De fusões e juros
Muita gente estranhou quando o presidente do Unibanco, Tomas Zinner, falou em "fusionar" e "fusionamento" em relação ao feliz enlace de seu banco com o falecido Nacional, promovido pelo governo. Promovido? Estimulado? Abençoado? R$ 4 bilhões do Banco Central com juros de 2% ao ano. Dois por cento ao ano? Os usineiros hão de ficar com inveja. Poderiam deixar de pagar menos.
Fiquemos no "fusionar". Zinner provavelmente preferiu "fusionar", verbo raro, a fundir, que às vezes se confunde com um verbo parecido e malfalado. O que, considerando nossa bufunfa metida generosamente no negócio, poderia parecer de mau gosto.
Pois "fusionar" existe. Significa "fazer a fusão de; fundir; amalgamar; confundir". Vejam só: confundir. É claro que existem também o substantivo "fusionamento, processo de fazer fusão ou mistura, e o adjetivo "fusionista, que promove ou entrou em alguma fusão ou coalizão política ou é partidário dela; que se refere a fusão política ou industrial". Ou bancária, é óbvio.
Conclui-se que estamos todos fusionados. Todos, não; quase todos.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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