São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Déficit fiscal desafia Plano Real, diz Eris

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil deve fechar o ano com um déficit nominal (que inclui todas as contas, inclusive juros e correção monetária) da ordem de 6,5% do PIB (Produto Interno Bruto, uma medida da riqueza produzida no país).
O número em si, apesar de alto, está no padrão de alguns países integrantes do grupo dos sete mais desenvolvidos. A Itália tem um déficit de 7% e a França, de 5,5%.
Esse número, embora correto, diz o ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris, "não reflete o quadro fiscal brasileiro".
O déficit foi ampliado por uma política de juros definida por Eris como "insuportável e atípica".
Um juro menor (que não quer dizer abaixo da inflação, mas simplesmente menos extorsivo), calcula, poderia tê-lo cortado em um ponto percentual.
Em compensação, além de a situação dos Estados ter piorado (inclusive Estados considerados, anteriormente, ajustados), o déficit está crescendo nos últimos meses "em um ambiente de arrecadação recorde. É preocupante".
Déficit potencial
Lembrando da comparação entre os números de Brasil, Itália e França, Eris diz que, "ao contrário desses países, os serviços públicos daqui, especialmente os das áreas sociais, não atendem às necessidades da sociedade".
Logo, existe aí um potencial de crescimento dos gastos enorme -e do déficit, idem.
Por isso, acredita o ex-presidente do BC, no curto prazo (no horizonte de um ou dois anos) a existência de déficit não será "nada dramática. Mas, no longo prazo, o caso é dramático mesmo."
Para ele, é o potencial de aumento do déficit no longo prazo que preocupa os investidores estrangeiros.
Combatê-lo é essencial, mesmo que de forma lenta e gradual, para melhorar as expectativas de crescimento e atrair investimentos.
Eris aconselha os analistas que apostam em um equilíbrio das contas públicas até o ano de 1997 a "tirar o cavalinho da chuva" e prevê, para 96, "um ano melhor, mas que não será brilhante".
A reforma administrativa, "que é crucial", tem efeito demorado; a Previdência, "em que houve avanços", começa a ter impacto só a partir de 97.
Restam para 96 somente os impactos positivos de uma política de juros menos extorsivos e da recuperação das tarifas.
No caso das privatizações, a venda da Light pode trazer algum alento. Mas Eris se diz intrigado com o ritmo excessivamente lento do processo.
Dizendo não estar convencido da necessidade de ter as contas equilibradas, Eris afirma que "nem sempre ter déficit é ruim" e considera bom um número ao redor de 3% do PIB.
Morte súbita
O ex-presidente do BC define como "babaquice" as avaliações, presentes no mercado financeiro, de que o Plano Real poderá ter uma morte súbita caso não se consiga avançar no ajuste fiscal -que é lento por natureza, já que envolve mudanças constitucionais.
"Não existe essa relação linear entre déficit e preços. É mais complexo. A chance de o Real ter uma morte súbita é zero."
Ter déficit significa gastar mais do que se arrecada. Logo, ter déficits ao longo de vários anos significa que o Estado está gerando uma demanda maior do que a capacidade de produção local.
Na prática, portanto, a existência de déficits impede, no longo prazo, a capacidade do governo de controlar a demanda.
Em uma economia aberta como a brasileira, no longo prazo, diz Eris, esse excesso de demanda acaba aparecendo no comportamento da balança comercial (exportações e importações).
No limite, caso não se consiga controlá-lo, o governo é obrigado a desvalorizar a moeda, gerando pressões inflacionárias, que vão gerar reivindicações salariais que, se atendidas, vão gerar novos reajustes de preços.
Até a explosão do plano, que não é inevitável, frisa Eris, o processo é muito longo, com desgastes sucessivos.
Ainda mais para um país que, lembra o ex-presidente do BC, tem em reservas internacionais (o caixa do BC em moeda forte) mais que US$ 50 bilhões e em que a produtividade "está crescendo na faixa de 7% a 8% ao ano".

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