São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Artista mete bala em livro de 896 páginas

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A piada começa assim: "Nuno Ramos vai lançar um livro de 900 páginas!". "900 páginas? O que um artista plástico tem para dizer em 900 páginas?". "Nada. As páginas estão em branco".
Agora é sério. O artista plástico Nuno Ramos, 35, lança hoje um livro de 896 páginas chamado "Balada". Não tem nada impresso no miolo e custa R$ 80,00 o exemplar numerado e assinado de uma edição de 300 livros.
Chama-se "Balada" porque o livro levou um tiro de revólver calibre 38 e a bala ficou alojada no meio das páginas numeradas.
"O papel resiste à bala. A bala pára por volta da página 600. Calculei o número de páginas e a quantidade de pólvora para ficar assim. Bala de níquel e chumbo é melhor, fica mais amassada", diz Ramos, como se fosse um atirador, e não um artista formado em filosofia que já lançou um livro de textos ("Cujo", 83 páginas).
Nada mais enganoso. Ele nem gosta de revólver. "Não queria dar os tiros no livro. Tinha medo de acertar meu pé. Sou classe média babacão, medroso, covarde", diz.
A prova do medo é que Ramos viajou 319 km até Ribeirão Preto (SP), onde um especialista em armas ajudou-o a atirar nos livros, um a um, no fim-de-semana.
Ramos é um dos principais artistas plásticos brasileiros surgidos nos anos 80. Fez um dos trabalhos mais contundentes desta década (a instalação "111", sobre o massacre do Carandiru) e expôs na Bienal de Veneza neste ano.
Violência
"Violência está em tudo que eu faço como forma, não como conteúdo", afirma, fornecendo uma das principais chaves para se entender o seu trabalho.
Só que agora a violência não se dirige à parafina, sal ou breu, materias que tensionou ao limite em trabalhos anteriores. Em "Balada", o livro é o alvo.
O que Ramos menos gosta é que "Balada" seja associado aos sentidos óbvios -violência urbana ou morte da literatura.
Prefere que o livro seja visto como parte do paradoxo que percorre sua obra -o que embaralha as diferenças entre o ver e o ler. Em "Mácula", instalação exposta na 22ª Bienal de São Paulo (1994), havia letras em braile, mas não estavam ali para ser lidas. Tinham 30 cm e eram para ser vistas.
"Estou tratando o livro como matéria. Gosto da tensão entre o papel e o metal. Com o tiro, a primeira página vira uma cratera. É quase cósmico. Parece que caiu algo e incendiou as páginas".
Humor
Ramos diz ter dificuldades com humor, apesar do humor óbvio de "Balada". "Tenho um fundo cultural mais romântico, de afirmação. E o cinismo, ou o humor, está sempre negando. Não sou assim. Acredito muito em arte".
O humor de "Balada", concede Ramos, deriva de sua obviedade. "É um ovo de Colombo, é uma idéia óbvia demais. A graça é que foi editado e virou produto".
Aos que acham que Ramos não tem nada a dizer em livro, como apregoa a piada, ele está escrevendo um livro de pequenos contos.

Livro: "Balada", de Nuno Ramos (Editora 34, 896 páginas).
Lançamento: hoje, das 18h30 às 21h30
Onde: Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, zona oeste de São Paulo).
Quanto: R$ 80,00

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