São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Marsalis ensina música para crianças

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O pistonista Wynton Marsalis já é, aos 34 anos, o mais importante músico de jazz da segunda metade do século 20.
Sua estatura, como intérprete, compositor e gerador de conhecimento, só pode ser comparada à de Louis Armstrong, Miles Davis e Duke Ellington.
Mas, para ele, isso tudo parece pouco. Mais do que nunca, a maior estrela do admirável clã dos Marsalis (fundado pelo magnífico pianista Ellis, da orquestra de Al Hirt, e composto, entre outros, pelo grande saxofonista Branford e o brilhante baterista Jason) quer mais e mais.
Nos últimos cinco anos, a prioridade de sua vida tem sido a educação musical. Na orquestra de jazz do Lincoln Center em Nova York, que ele dirige, em palestras em escolas pelo país, Marsalis quer disseminar o gosto pela música, do público ao instrumentista.
Sua empreitada mais recente e ambiciosa é a série "Marsalis on Music", levada ao ar pela rede nacional de TV pública dos EUA (PBS) e colocada à venda em vídeo, livro e CD pela Sony.
A comparação inevitável do projeto é com os "Concertos para Jovens", que entre 1958 e 1972 o maestro Leonard Bernstein apresentou com a Filarmônica de Nova York na rede CBS de TV.
A formação musical e filosófica de Marsalis é erudita. Começou sua carreira pública na Filarmônica de Nova Orleans, estudou na Juilliard de Nova York e gravou diversos discos de concertos.
Na série de TV, ele divide o palco com o maestro japonês Seiji Ozawa, 60, e o celista franco-chinês Yo-Yo Ma, 50, dois dos maiores músicos eruditos contemporâneos.
O resultado é em muitos aspectos semelhante ao obtido por Bernstein. A ênfase é colocada na palavra e na música, não em efeitos especiais de TV, que não existiam no tempo de Bernstein e foram desprezados por Marsalis.
Marsalis não tenta enganar a ninguém: música é uma atividade divertida mas exige dedicação, seriedade, treinamento. Dos quatro vídeos, um é dedicado apenas à prática.
O "monstro" é o trabalho, diário, longo, maçante, difícil, que a música exige de quem deseja praticá-la. Marsalis, no caso com o auxílio do Yo-Yo Ma, não doura a pílula para as crianças que o assistem.
Exceto ao ressaltar seu dourado natural. Quem se esforçar com método e paciência vai ter a recompensa de tornar felizes milhões de pessoas, com os sons que será capaz de produzir.
Mas a série de Marsalis não tem como objetivo, é claro, formar músicos, mas sim ajudar apreciadores de música. Um vídeo analisa a função do ritmo, outro a de melodia e harmonia e o quarto é sobre o jazz.
A Folha acompanhou quatro crianças brasileiro-americanas com idades entre três e nove anos, todas estudantes de música, assistindo os programas de Marsalis na TV.
A reação da audiência foi boa, embora muitas vezes desconfortável. A série pretende atingir um público-alvo de faixa etária superior a oito anos. Talvez por isso, os mais novos se sintam cansados logo com ela.
Mesmo eles, no entanto, se interessam pela conversa simples e atraente de mestre-de-cerimônias e pelo repertório selecionado (do "Nutcracker" de Tchaikovsky às marchas de John Phillips Souza, passando, é claro, por Gershwin, Ellington e Armstrong).
Na série, o que mais impressiona é o grau de sinceridade de Marsalis. Ele está entre aquelas, poucas, pessoas que de fato acreditam na relevância social e humana do que fazem.
Talvez tenha razão. Estudos recentes nos EUA e na Alemanha mostram que crianças que começam cedo a desfrutar da música ou, mais ainda, a estudá- la, têm desempenho acadêmico muito superior ao das demais.
Os pesquisadores que têm conduzido esses trabalhos constatam que a música ajuda a desenvolver mais a região do lado esquerdo do cérebro humano, responsável pelo processamento da linguagem.
A música também apura o raciocínio espacial-temporal, o elemento cognitivo crítico para o aprendizado de matemática e engenharia.
Ao que tudo indica, a decodificação sistemática da sequência ordenada e previsível de sons que constitui a essência da música aumenta o número de sinapses cerebrais, espécie de "estradas" químicas da mente, que depois podem ser utilizadas para a condução de outras informações.
Além disso, sem dúvida, a música ajuda a produzir beleza e enlevo, que só podem melhorar a qualidade humana de seus apreciadores e praticantes.
Ninguém poderia desejar trabalho mais gratificante do que o de expandir o gosto pela boa música e é isso o que Wynton Marsalis faz de mais importante em sua vida.

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