São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Chega de província

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - O provincianismo do prefeito César Maia, aqui no Rio, é realmente patológico. Ele cismou de homenagear Tom Jobim com um factóide, coisa que, no estranho vocabulário dele, significa um fato capaz de gerar imagem. Para isso, criou no último domingo um congestionamento na Lagoa e nos túneis da cidade, encolerizando gente que prometeu chegar em casa e quebrar todos os discos do Tom da sua coleção.
César Maia não entende muitas coisas. Inclusive que a melhor -e talvez única- forma de homenagear um artista, vivo ou morto, é ouvir, ver ou ler a sua obra. Sendo político de carreira -e bota carreira nisso- ele só entende aglomerações, eventos, efemérides que ficam bem numa vila pacata, de rua única e bastante, mas numa cidade grande só servem para irritar a comunidade e prejudicar a população que precisa ter acesso ao trabalho, às escolas, aos hospitais, ao lazer.
Tornar obrigatória qualquer homenagem, seja ela a quem for, antes de ser factóide é fascistóide. Espantosa, em César Maia, é sua falta de cultura e civilização. Ele entregou a cidade a um grupo de vitrinistas, uns pelos outros medíocres, que arrebentaram a cidade e a transformaram numa Bósnia urbana. Cada vitrinista pintará os postes da cor desejada, desenhará calçadas (dando de mão beijada passagem aos cabos da Net) e edificará, em cada bairro, um momento ao mau gosto dos autores e à loucura do prefeito.
Ele descobriu que palavras não resolvem. Precisa de imagens. Não importa que tipo de imagem, desde que inspire pauteiros da TV ou da imprensa. Daí partiu para a loucura de alterar placas de rua, aviltando a memória de Tom Jobim, que passou a ser odiado pelas avenidas do Rio, cujos moradores tremem ao pensar que dormirão num endereço e acordarão em outro.
Chegou à conclusão de que, bloqueando uma cidade inteira em nome disso ou daquilo, estará criando um fato que poderá gerar imagem. Se ele se atirar do alto do Corcovado, avisando antes a mídia, criará um factóide mais emocionante e menos prejudicial à cidade.

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