São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Rabo preso

OSIRIS LOPES FILHO

Foi inserida no projeto de lei do Imposto de Renda da pessoa física, mediante emenda apresentada pelo deputado Roberto Ponte (PMDB-RS), regra inscrita no art. 34, que possibilita a extinção da punibilidade dos crimes praticados contra a ordem tributária, comumente conhecidos como crimes de sonegação, desde que o criminoso pague o tributo devido, com os respectivos acréscimos, antes do recebimento da denúncia, feita pelo Ministério Público.
A alteração foi aprovada pela Câmara, estando, portanto, no bojo do projeto encaminhado ao Senado. Há uma tendência de o projeto ser aprovado como está. Qualquer modificação feita no Senado devolverá a matéria ao exame da Câmara. Calendário parlamentar apertado, final de ano, véspera de Natal, tudo indica que vai imperar o "rolo compressor" da maioria governamental, condescendente com os criminosos tributários.
Trata-se de uma indulgência em sentido estrito. O criminoso paga seus débitos tributários e é agraciado com o perdão da pena. É, afinal, um instrumento extremo para cobrança da dívida tributária, tentando colocar o Ministério Público como agente arrecadador, pois a ameaça da realização da denúncia induzirá o criminoso a realizar o pagamento do tributo.
Falei que se tentava atribuir a função ao Ministério Público de cobrador de tributo dos criminosos tributários. É só uma tentativa. O parágrafo primeiro do citado artigo acaba efetivamente com o processo-crime na matéria, pois estabelece que somente "caberá a apresentação penal após julgamento do processo administrativo fiscal, quando neste forem apurados elementos caracterizadores do cometimento de crime em tese".
Ora, até ser julgada a questão na área tributária, já terá ocorrido a prescrição do crime. Entre a prática do crime, sua descoberta, início do processo administrativo fiscal e, finalmente, seu encerramento, terão passados no mínimo seis anos, estando, portanto, prescrita a ação penal correspondente.
Elipticamente, está sendo posto para escárnio o Ministério Público. O intuito de acabar com o processo-crime nessa matéria é tão explícito que nem sequer se estabeleceu a suspensão da prescrição penal durante o transcorrer do processo administrativo. É, como diria o Boris Casoy, uma vergonha. Descarada vergonha, acrescento eu.
Mas a imoralidade, a indecência, a devassidão máxima estão no parágrafo segundo, que dispõe que as regras mencionadas anteriormente "se aplicam aos processos administrativos, aos inquéritos policiais e aos processos penais em curso". Pára-se tudo, no Judiciário, à espera do pronunciamento do Executivo. Aí, vai para as picas a separação de Poderes, consagrada na Constituição.
Esse dispositivo, aplicado aos processos hoje em curso, permite que mesmo depois da denúncia haja extinção da punibilidade. Cadeia no Brasil é caso "p.p". Para preto e pobre. Rico sonegador é outra coisa: pagou, passou.
Há duas esperanças de reversão. Que o Senado rejeite o art. 34 e seus parágrafos, abandonando a sua liturgia do amém, ou que o presidente FHC vete tal dispositivo, dando uma demonstração de que sua política liberal, às vezes, pode ser influenciada pelo título social-democrata de seu partido. É necessário dar um basta no liberalismo libertino e corrupto e indecente.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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