São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Um assunto delicado

JOÃO SAYAD

O Banco Central tem US$ 50 bilhões em caixa. Os críticos argumentam que esse dinheiro é muito volátil, instável e que pode sair como entrou, isto é, muito rapidamente. E que seria muito melhor que o dólar entrasse no país para ficar um longo período de tempo, como investimento direto, sinal inequívoco de confiança no país. Por isso, governo e as empresas internacionais não param de anunciar investimentos diretos aqui: as montadoras X, Y e Z vão montar plantas no Brasil, a megamultinacional planeja investir Z bilhões de dólares. Coreanos, japoneses, americanos, franceses, ingleses e alemães pedem audiência com o presidente da República e todos saem em fotos sorridentes anunciando investimentos, fábricas e empregos.
Sejam bem-vindos e Deus ajude para que tudo dê certo e os planos se transformem em realidade. Mas, se me permitem, gostaria de fazer um esclarecimento inconveniente para o período natalino e que pode diminuir o entusiasmo de tantos planos otimistas.
A estabilidade do caixa do Banco Central não depende de os investimentos serem diretos. Se a Toyota resolve investir em dez novas fábricas no Brasil, as fábricas ficam aqui, para sempre, plantadas em lindos terrenos e cheias de máquinas modernas e automatizadas, o que é ótimo. Mas os dólares que foram usados para comprar estas máquinas não são nem mais nem menos estáveis do que os dólares que o especulador financeiro ganancioso, frio e rápido trouxe para o Brasil. Porque os dólares da Toyota serão trocados por reais para que a Toyota possa comprar o terreno, pagar os operários que construírem as fábricas e os engenheiros do projeto. Os dólares ficam no Banco Central. O período de permanência ou a estabilidade dos dólares que o Banco Central comprou depende de outras coisas, entre as quais destaco três:
das taxas de juros e da política de desvalorização do câmbio que vai indicar para os especuladores do mercado financeiro se vale a pena comprar dólares ou comprar reais do Banco Central. Ou seja, depende de condições da política monetária e cambial, do comportamento do mercado financeiro e não do comportamento dos investidores diretos em plantas industriais e comerciais no Brasil;
da forma de financiamento que o Banco Central usou para comprar os dólares. Se comprou com reais, a economia estará com mais reais em circulação e os reais são líquidos, isto é, podem ser trocados imediatamente por outra coisa, inclusive vendidos ao Banco Central em troca de dólares e sair do país de novo, sempre que for mais rentável investir em dólares do que em reais. Se comprou com dívida pública, a estabilidade do caixa do Banco Central depende da liquidez e do prazo da dívida pública. Se a dívida pública for de prazo curto, até 90 dias, por exemplo, e além disso puder ser trocada a qualquer hora por reais a preço preestabelecido e conhecido, pode ser transformada em dólares e remetida para fora do país;
do prazo e da liquidez dos ativos financeiros do país, o que, por sua vez, depende da quantidade de reais em circulação e dos prazos e liquidez da dívida pública, o mais importante ativo financeiro do país.
Portanto, a estabilidade das reservas do país, fundamental para o Plano Real, depende, por um lado, dos juros e do câmbio e, por outro, da forma de financiamento das compras de dólares pelo Banco Central -quer dizer, do prazo e liquidez da dívida pública.
E chegamos ao assunto delicado -como alongar o prazo e reduzir a liquidez da dívida pública? Uma velha questão, que gerou o confisco do famigerado Plano Collor em 1990, que o governo tenta resolver com impostos e regras que tornam investimentos em prazo curto menos rentáveis e investimentos em prazo longo mais rentáveis.
Outras soluções já foram apresentadas pelo professor Zini desde 1989. Na época, com inflação alta e com a perspectiva do confisco, cada vez que o professor Zini tocava no assunto, os amigos lhe telefonavam dizendo para que mudasse de assunto. Era uma questão delicada e muito cara, pois aumentava o medo da dívida pública e os juros que o governo tinha que pagar. Hoje em dia, o problema pode ser discutido sem medo.
A proposta do professor Zini é dar à dívida pública brasileira uma garantia para o pagamento do principal, por meio da compra de um título americano que vença daqui a x anos e que garanta aos portadores da dívida que ela será resgatada e paga em dólares no seu vencimento. Além disso, a dívida pública seria negociável em dólares. Seria como se o Banco Central comprasse os dólares para a reserva financiado por um empréstimo em dólares de longo prazo. Hoje, o Banco Central compra dólares ou com reais ou com empréstimos em reais, de muito curto prazo e alta liquidez, por meio da dívida pública.
O Banco Central tem reservas elevadas -portanto, a constituição de garantias em dólares não é problema. A conversibilidade e a negociabilidade da dívida interna já existem na medida em que os reais são conversíveis em dólar e a dívida pública conversível em real. Portanto, a única coisa que falta é que a dívida pública brasileira tenha alguma garantia constituída e possa ser negociada no exterior, como aliás já acontece com a dívida externa depois da assinatura do Plano Brady pelo Brasil em abril de 1994. Em troca de tantos favores -garantia de pagamento do principal e negociabilidade da dívida no exterior -o Banco Central passaria a emitir dívida pública de prazos muito maiores, liquidez muito menor e juros menores.
Essa reforma parece mais importante e mais urgente do que tantas outras muito mais difíceis. A dívida interna é cara, curta e cresceu quase 100% em 1995. Para essa reforma falta pouco: é preciso apenas acreditar que juros altos são nocivos, não seguram a demanda interna (o que segura são os compulsórios) e custam caro para os contribuintes. Como resultado, política monetária passa a ser um instrumento real de política econômica e não uma figura de retórica. É um assunto delicado que pode ser discutido nestes intervalos de calmaria do final de 1995.

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