São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imposto de Renda e progressividade

ESTEVÃO HORVATH

De quando em quando ressurge a discussão acerca da progressividade do Imposto de Renda, mais especialmente aquela referente ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas -IRPF. Este jornal, em editorial do dia 15 de novembro, retoma o debate sobre a questão, com o que me sinto obrigado a cooperar, externando minha opinião sob o enfoque jurídico.
Se pelo prisma social a redução de alíquotas do IRPF não se justifica, já que parece justo que quem perceba maiores rendimentos tenha de contribuir de forma mais acentuada com os gastos públicos, debaixo de uma ótica estritamente jurídica isso não é diferente.
Isso se explica pelo mero enunciado do princípio da capacidade contributiva ou, como reza o parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição da República, capacidade econômica ("sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...). Ora, para que alguém deveria pagar mais, pelo simples fato de receber mais, se não fora para que este alguém tivesse uma participação maior nos gastos que o Estado tem de efetuar para cumprir suas finalidades constitucional e legalmente estabelecidas?
Aceita-se, hoje, com certa facilidade, que a tributação, além da finalidade de levar dinheiro aos cofres públicos, serve como instrumento de distribuição da riqueza. Talvez por isso, esta última idéia encontra-se positivada nas constituições de diversos países, inclusive na do nosso, em virtude do princípio acima referido.
Gostando ou não os nossos legisladores ordinários, nossos agentes do Executivo ou mesmo uma ou outra minoria de nossa população, é isso o que diz a nossa Lei Maior, que, como todos sabemos, impera sobre todas as demais leis e impede que se emitam comandos a ela contrários direta ou indiretamente.
Não concebo -como não o concebe uma imensa plêiade de juristas- que a Lei das Leis (decorrente, de resto, de manifestação democrática do povo, por intermédio do chamado "poder constituinte") contenha simplesmente uma série de recomendações, que podem ou não ser acatadas, ao talante do legislador, do agente do Executivo ou do juiz do momento. Ao contrário, a Constituição, além de trazer a estrutura do Estado e cuidar dos direitos fundamentais, comanda, determina, ordena certos comportamentos, ou impede que outros sejam tomados.
Se seguirmos o comando constitucional, aplicando-o ao IRPF, que é imposto pessoal por excelência, verificaremos que é possível, por suas próprias características, atentar-se à "capacidade econômica" do contribuinte. Assim sendo, este princípio deve, obrigatoriamente, ser respeitado pelo legislador, pelo administrador e pelo juiz, que intervirá toda vez que esse mandamento for desrespeitado. Ora, como aplicar-se tal diretriz ao IRPF? Bastaria uma simples proporcionalidade (se eu ganho 10, pago 5% sobre 10; se ganho 100, pago 5% sobre 100; se ganho 10.000, pago 5% sobre 10.000) ou a "capacidade contributiva" exigiria mais? Creio que citado postulado não se contenta com a mera proporcionalidade, mas requer algo mais, ou seja, a progressividade (por esta, sobre bases de cálculo crescentes, incidirão alíquotas progressivas, isto é, se ganho 10, pago 5%; se ganho 100, pago 8%; se ganho 10.000, pago 15%, e assim por diante).
No que diz respeito ao IR, a Constituição diz que este imposto será "informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei" (artigo 153, parágrafo 2º, inciso I). Assim sendo, há, no Brasil, ao menos, impossibilidade jurídica de que o IR não seja progressivo. A lei que cuidar de tal imposição não pode ignorar este comando que lhe é superior, ou seja, nem mesmo o Congresso, no exercício de suas funções ordinárias, pode criar legislação do IRPF que não seja progressiva.
Portanto, se já ficou provado, conforme se menciona no editorial citado, que, economicamente, o IRPF "está entre as formas de arrecadar que menos distorções causa", se socialmente, ao se negar ou diminuir a progressividade desse imposto, se estará negando um dos "princípios elementares de justiça social", também juridicamente a sua aplicação se impõe, por imperativo constitucional.
A propalada "simplificação" da mecânica do imposto, alegada toda vez que se pretende reduzir as alíquotas do IRPF, embora desejável, não pode servir de escusa para justificar o desrespeito a postulados constitucionais inarredáveis colocados como pilares de um Estado Democrático de Direito (artigo 1º, "caput", da Constituição).
Em suma, enquanto vigorar nossa Constituição da forma em que foi estruturada -bem ou mal, não importa para estes efeitos-, qualquer proposta de redução de alíquotas do IR, ademais de injusta socialmente e nociva economicamente, será flagrantemente inconstitucional, pois ela impõe exatamente o contrário, isto é, a sua ampliação.

Texto Anterior: Um assunto delicado
Próximo Texto: Não se profissionalizou, dançou
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.