São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Vera Fisher é a última estrela maldita

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA FOLHA

A semana foi de exploração de Vera Fisher. Começando com a reportagem de capa da revista "Isto É", sintomaticamente intitulada "uma biografia não autorizada". Passando pelas denúncias de agressão da babá do filho da atriz. E terminando nas notícias sobre sua internação em uma clínica de tratamento psiquiátrico, no último sábado. Mesmo fora das telas, nossa grande estrela hollywoodiana é mantida protagonista do melodrama.
A musa mor foi usada e abusada por uma mídia sempre sedenta pelo símbolo sexual, agora insistentemente tematizando sua suposta decadência. "Isto É" fez o papel do corvo, "a mulher mais cobiçada do Brasil está no fio da navalha", anunciou a revista prenunciando o início de mais um incidente telenovelesco envolvendo a vida pessoal da atriz.
Neste caso, o incidente adquiriu tons de desforra. A empregada, figura essencial em nossas vidas, mas sempre relegada, foi à luta e denunciou maus tratos da patroa rica e famosa. Reivindicando seu lugar na trama, sua descrição da cena da alegada agressão aparece com sofisticado domínio da narrativa da novela. O cenário mais íntimo possível, o quarto. A porta fechada. A arma, uma tesoura. Em seu movimento de defesa, a passagem controversa pela cama sagrada da atriz.
Divina, última das nossas estrelas malditas, Vera é grande atriz. O público acompanha sua crise pessoal pelos jornais, e torce por ela, como torce por suas personagens de novela. A figura solitária da atriz em crise exala o calor de quem é verdadeiro e vai fundo. Seu corpo sensual encarna a paixão ardente da mulher impulsiva, forte, destemida. A imagem de Vera é a de uma estrela tão quente, que incorpora os terríveis caminhos da agressão física, perversamente impune.
Seu calor contrasta com a frieza virtual que marca a imagem de outra estrela loira de olhos azuis. Segundo o jornal "O Dia" da última quarta-feira, em seu programa especial de fim de ano, gravado essa semana, Xuxa anunciou seu desejo de ser mãe através de técnicas de inseminação artificial. Ao lado de Letícia Spiller, a apresentadora infanto-juvenil declarou que será mãe e pai ao mesmo tempo. Manifestou sua preferência por gêmeos, e ofereceu os filhos como afilhados ao público, "vocês serão as madrinhas e os padrinhos".
Enquanto Vera Fisher se vê às voltas com as desventuras da carne, Xuxa paira acima dessas agruras mundanas. Sintonizada às mazelas desse fim-de-século, fiel à sua imagem solitária e inatingível, descarta a paixão. Opta pela via ascética permitida pelos recursos da tecnologia. Talvez encontre aí uma brecha no Olympo, para uma realização mais plena.
Mas na tragédia vivida por Vera, ou na tristeza esvaziada e pífia de Xuxa, há somente resquícios da vontade de cada uma por afirmar uma individualidade sempre encapsulada.

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