São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Darcy Ribeiro lança diário feito entre índios

AZIZ FILHO
DA SUCURSAL DO RIO

O senador e antropólogo Darcy Ribeiro (PDT-RJ) acaba de organizar seu próximo livro, "Diários Índios", reprodução de textos feitos há 25 anos, durante duas expedições às tribos dos índios Urubu Kaapós, no Maranhão. Darcy esperava usar os textos -inéditos- em uma monografia, mas optou, segundo ele, por algo "mais emocionante e menos chato".
"A monografia seria lida só por estudiosos. Agora eu dou as mãos ao leitor e o levo comigo para andar mais de mil quilômetros na Amazônia, conhecendo cada detalhe da vida dos índios", diz. O livro será editado pela Companhia das Letras, com lançamento previsto para março.
Aos 73 anos e na luta contra o câncer, Darcy se emociona ao ler o primeiro texto dos diários, uma dedicatória à então mulher, a antropóloga Berta Ribeiro, internada hoje em um CTI (Centro de Terapia Intensiva), com câncer em estado terminal. Ele escreveu o diário em forma de cartas para Berta.
"É a maior carta de amor do mundo", afirma Darcy. "O sal de minha vida" é como Darcy se refere ao amor de Berta, na dedicatória. Os volumes deverão virar 500 páginas de livro, com fotos e desenhos feitos por índios.
Nas expedições, entre 1949 e 51, Darcy calcula ter caminhado mais de mil quilômetros, em 15 meses. A aventura começa tragicamente: os Kaapós haviam abandonado as aldeias e se embrenhado na mata para tentar escapar da onda de sarampo que matou 300 dos 800 índios da região.
"Foi dramático. Passavam fome porque os doentes não caçavam. Sujavam-se nas redes fedorentas, as crianças morriam", recorda.
Darcy era chamado de "Papa Uhu". A tradução seria algo como "Pai Governo". Era visto como um enviado do governo para listar as necessidades das tribos.
O antropólogo andava de short e com camisa fechada até o punho por causa dos mosquitos. Roupa demais para os kaapós, que só usavam um laço na ponta do pênis para esconder a glande. Na adolescência, o kaapó tinha o pênis amarrado pelo "tuxua", uma espécie de cacique nas guerras.
Nas longas cartas a Berta, Darcy se mostra maravilhado com a curiosidade dos índios. Em um trecho, ele compara essa "curiosidade prodigiosa" com a ignorância dos caboclos que o acompanhavam nas expedições.
"Andando com dezenas de caboclos nas tantas expedições que fiz, sempre os vi afastando-se quando eu atendia às perguntas dos índios sobre a origem ou a natureza das coisas. Nem queriam saber, achavam talvez que eu estivesse enganando os índios. Estes me perguntavam, por exemplo, quem criou ou é o Dono, Iar, dos fósforos e das tesouras."
Os diários terminam com um episódio feliz para o antropólogo ávido por provas de que os kaapós são os herdeiros diretos dos cerca de um milhão de tupinambás que habitavam o litoral antes de 1500 e foram dizimados.
O índio Anakampukú, descrito por Darcy como "intelectual prodigioso", passou uma semana desenhando sua árvore genealógica para o antropólogo. "Ele citou 1.100, de dez gerações. É a maior árvore genealógica feita por um antropólogo."
Darcy então descreveu para Anakampukú o ritual que seus avós, tupinambás, estariam acostumados a seguir ao praticar a antropofagia.
"Enorme era a emoção com que me ouvia e, por fim, não suportou e disse ao João (o tradutor): Ele é meu irmão. O avô dele é o meu avô." O livro termina com uma despedida: "Bom, amada. Até o Rio."
Conhecido como namorador incorrigível, Darcy garante que não teve relações sexuais com nenhuma kaapó. "Se acontecesse, o pai passaria a me tratar como genro e os índios, como irmão. Dificultaria muito o trabalho. Bater punheta eu podia", diz o senador, às gargalhadas.

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