São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Wagner traz a mancha do anti-semitismo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Richard Wagner morreu 50 anos antes que os nazistas chegassem ao poder. Mas foi compositor predileto de Adolf Hitler e utilizado como símbolo da suposta superioridade da arte ariana.
No entanto, foram igualmente wagnerianos intelectuais insuspeitos de simpatias pelo 3º Reich, como o filósofo Theodor W. Adorno e o romancista Thomas Mann.
É uma maneira de dizer que Wagner é dono de um perfil artístico bem maior que a pequenez dos estereótipos que ele próprio, por sectarismo, ajudou a montar.
Barry Millington e seus colaboradores notam, em "Wagner, um Compêndio", que o compositor discriminava Giacomo Meyerbeer (1791-1864), não porque ele fosse um compositor frívolo e superficial, mas por se tratar de um judeu. Algo parecido ocorria para com Mendelssohn (1809-1847).
Foi também patética sua relação com o maestro Hermann Levi, a quem tentou converter ao cristianismo antes que ele regesse a estréia de "Parsival".
Wagner não se separava de amigos judeus que compunham sua corte mais íntima, como Joseph Rubinstein, o próprio Levi e Heirich Porges. Mas, já velho, tornou-se um admirador de Joseph-Arthur Gobineau, cuja teoria "científica" sobre a diferença entre as raças inspiraria Hitler e seguidores.
Uma das conclusões confortáveis que por mais de um século acalentou a boa consciência dos wagnerianos foi a de que o anti-semitismo professado pelo cidadão Wagner não contaminou a música do compositor homônimo.
Sobre essa certeza o livro lança uma primeira pá de dúvidas. Esperemos por novos estudos.
"Wagner é acusado de egoísmo, ambição presunçosa, oportunismo, trapaça, rancor, ciúme, arrogância, donjuanismo, devassidão e racismo. Um catálogo formidável, e em cada item existe verdade", diz Millington.
Mas há circunstâncias atenuantes que ele e seus colaboradores evocam, bem mais como historiadores -wagnerianos, não há sombra de dúvida- e bem menos como uma equipe póstuma de advogados de defesa.
Wagner fazia uma excelente idéia de si mesmo. Aos 23 anos, passa a fazer anotações minuciosas sobre suas experiências cotidianas, de olho numa autobiografia que já então pretende escrever.
Cultivava, ao mesmo tempo, uma visão depreciativa dos compositores que lhe foram contemporâneos, com a exceção, e mesmo assim muito problemática, de seu sogro, Franz Liszt (1811-1886).
Hector Berlioz -com quem chegou a ter um bom relacionamento pessoal- passa a ser tão desprezado quanto Schumann e Brahms. Este último disputou com Wagner o legado musical de Beethoven.
Verdi e Donizetti quase inexistem como referência em suas cartas e confidências. Digamos que isso não passe de uma pequena amostragem daquilo que Wagner foi como indivíduo deplorável.

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