São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Educação punitiva

DARCY RIBEIRO

Duas deformidades contribuem eficazmente para o fracasso do Brasil na tarefa elementar de escolarizar e alfabetizar todas as nossas crianças. Primeiro, a mania brasileira de submeter crianças que acabam de ingressar nas escolas a exames punitivos de reprovação.
Em consequência, mais de metade das matrículas se concentra na 1ª série do curso primário, dobrando o custo de sua educação, o número de salas de aula e de professores para atender a essa imensa multidão de reprovados.
Só enfrentam bem esses exames as crianças oriundas de famílias integradas na cultura das letras e que possam ajudá-las, fazendo da casa uma segunda escola.
Essa não é a condição da imensa maioria da população brasileira, que não teve escolaridade prévia nem tem uma casa transformável em escola.
Para esse alunado majoritário, oriundo das classes pobres, o primeiro ano é o tempo de domesticar a própria mão, aprendendo a fazer círculos, quadrados e letras. É, sobretudo, o tempo de familiarizar-se com a língua que a professora fala, totalmente diferente daquela com que está habituado.
Superando essa barreira, através da adoção de um sistema de promoção continuada igual ao que ocorre no mundo inteiro, o aluno teria muitos testes habituais de verificação de sua aprendizagem, mas só enfrentaria um exame no fim da 3ª série.
Este com o objetivo específico de identificar os alunos com maior carência no domínio da leitura e da escrita a fim de assegurar-lhes atenção adicional para superar essas deficiências.
Frequentariam livremente a 2ª e a 3ª séries, aprendendo tudo que podem absorver, ouvindo a professora e contando com mais largo tempo para integrar-se no mundo das letras.
A segunda deformidade de nosso sistema educacional é a escola de turnos, que constitui, também, peculiaridade brasileira. No mundo inteiro só existem escolas de tempo integral, que vão de manhã até a tarde. Nelas o aluno conta não só com um vasto material didático disponível a todos, mas com professores que lhe dão aulas de estudo dirigido que permitem homogeneizar as turmas.
No Brasil, com o crescimento explosivo das cidades, em lugar de multiplicar as escolas, multiplicaram-se os turnos -dois, três e até quatro-, para atender o novo alunado recém-urbanizado.
Com isso, elitizou-se a escola fundamental comum, que passou a adaptar-se tão somente a alunos procedentes da classe média e a discriminar os que vêm das camadas populares.
O problema se agravou em razão de uma pedagogia falsa que, culpando a criança pobre por seu fracasso escolar, não força o sistema educacional a lhe dar a atenção especial que requer.
Sobretudo as crianças da periferia e das favelas metropolitanas, que só numa escola de tempo integral têm possibilidades de se alfabetizarem, de aprenderem a aprender para progredir na vida em lugar de caírem numa marginalidade e delinquência compulsórias.
As grandes tarefas dos sistemas estaduais de educação são acabar com os exames reprovativos e punitivos na 1ª série e ampliar o atendimento ao alunado pobre metropolitano.
Seja através de escolas de tempo integral. Seja através de escolas-parques, que os recebem antes e depois das aulas para a alimentação, o desenvolvimento físico e sobretudo o estudo dirigido.

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