São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vila do João

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - Operação asfixia. A polícia está usando esse nome militaresco para batizar a ação na qual ocupou as ruas da Vila do João.
O policiamento, que deveria ser obrigação diária, virou ação especial, com direito até a passeio-exibição do secretário Nilton Cerqueira, anteontem.
E o secretário diz que a ocupação é por tempo indeterminado. Não se deve esperar outra coisa do trabalho policial.
Foi preciso que uma pessoa morresse para que a polícia começasse a fazer o seu trabalho. Os 11 torcedores paulistas que foram atacados pelos traficantes da Vila descobriram aquilo que milhares de pessoas vivem todos os dias.
Há no Rio feudos dominados por quadrilhas, onde a população é submetida ao jugo de bandidos sem que tenha proteção policial.
Por enquanto, essas quadrilhas não conseguiram formalizar uma união. Vivem um processo semelhante ao dos bicheiros antes da década de 60, quando estes disputavam os territórios do jogo.
Se nada for feito, tal qual os bicheiros os traficantes vão superar suas divergências, à custa de muita violência, e um grupo conseguirá a hegemonia, controlando, de fato, a cidade.
* Quem não conhece o Rio pode talvez imaginar favelas com barracos de madeira. Os torcedores atacados viram que favela também pode ser um conjunto habitacional, circundado por casas pobres de alvenaria. Favela, aqui, é qualquer lugar sem a presença do Estado.
Uma pesquisadora americana comparou o complexo de favelas da Maré, onde está a Vila do João, com uma vila mediterrânea. Para ela, há beleza nas vielas do local, e acha que isso vai ficar visível quando a miséria ganhar o verniz da história.
Essa visão otimista recai sobre uma das áreas que o secretário de Segurança classificou como de extremo risco. Locais onde a polícia não garante a segurança do cidadão.
Muito já se falou que o Estado não está atendendo as demandas que lhe são propostas. As justificativas recaem sempre na falta de verbas, e nunca se admite que são as prioridades que estão erradas.
Na Vila do João, a falta do Estado começa na placa caída que indica qual o caminho certo para a avenida Brasil. Os torcedores não puderam ver a placa, entraram por engano na Vila e conheceram de forma trágica a realidade brasileira.

Texto Anterior: FHC e a economia
Próximo Texto: Educação punitiva
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.