São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A crise não é política

LUÍS NASSIF

O que ocorre com o governo Fernando Henrique Cardoso é um fenômeno amplamente conhecido na teoria administrativa, que ataca empresas submetidas a processos drásticos de reestruturação.
Todo processo de reestruturação gerencial é permeado por momentos de euforia e depressão, principalmente em sua fase inicial.
A euforia se dá quando o dirigente (público ou privado) percebe que dispõe de um diagnóstico eficiente sobre o problema. O diagnóstico tem o condão de introjetar uma carga inicial de entusiasmo em toda a equipe, ajudando a convencer os recalcitrantes.
Reside aí armadilha, já que o processo está apenas se iniciando. Quando se passa à sua implementação sem uma estratégia operacional clara e começam a surgir as primeiras dificuldades, vai-se da euforia ao desânimo, principalmente quando falta experiência gerencial para entender que essas dificuldades iniciais são inerentes ao processo.
Todos os planos econômicos brasileiros passaram por essas etapas. No dia do anúncio, as sucessivas equipes apresentavam o início como se fosse o fim. Davam declarações para a posteridade e contavam pequenas curiosidades, certos de estar falando para a história. Alguns meses depois, saíam de cena com o rabo entre as pernas, atribuindo os tropeços a dificuldades políticas. Em grande parte, a causa era apenas inexperiência gerencial.
Indicadores
Toda implementação de projetos não prescinde da existência de indicadores próprios, que permitam a cada membro da equipe se situar. Os indicadores ajudam a medir desempenho, a estimular e a manter sempre claro o objetivo final.
Definidos indicadores como metas, procede-se ao detalhamento das ações e atribuem-se responsabilidades claras -para impedir o jogo de empurra que caracteriza esses processos.
O primeiro problema na implementação de planos econômicos é justamente a falta desses indicadores. Os executivos ficam sem parâmetros, sem saber o quanto avançaram, sem saber o que falta para avançar. Perde-se a noção do particular e do conjunto. Toca-se flauta e piano ao mesmo tempo e nenhuma partitura é executada a contento. Processos que se iniciam em um ministério ou departamento emperram no outro, sem que se tenha noção de quem são os responsáveis por eventuais atrasos.
Se não há o envolvimento pessoal do chefão maior, os resultados costumam ser caóticos. Como não se sabe o que ocorre com outras partes do processo, há um desânimo generalizado. O passo seguinte é a perda da perspectiva maior, levando à dispersão de esforços. Cada parte trata de preservar seu espaço, criando uma luta intestina que compromete toda a organização.
É justamente esse o estágio atual do Plano Real.
Boa e ruim
A partir desse quadro, há duas notícias para o presidente -uma boa, outra ruim. A boa é que o que ocorre com seu governo não tem nada de dramático, desde que se largue dessa auto-indulgência de julgar que tudo está nos conformes -apenas o mundo é que não consegue compreender a obra de arte.
Esse tipo de reação triunfalista do presidente também está abundantemente retratado nos estudos gerenciais. O acúmulo de problemas cria uma resistência, que é enfrentada com fantasias e com quilos de explicações que visam unicamente garantir ao executivo o sagrado direito de permanecer parado no erro.
No fundo, a inércia do presidente é o único nó substancial a ser cortado. Felizmente.
O diagnóstico inicial das reformas continua intacto. A presidência continua preservada da mancha da corrupção, que marcou o governo Collor, e da marca da estupidez, que marcou o de Itamar.
A notícia ruim é que esse nó só se resolve com o envolvimento pessoal do presidente com essas banalidades do cotidiano dos processos gerenciais. E com um pouco de humildade para entender que o demônio está nele, presidente; em sua dificuldade de decidir, amarrada a um estilo excessivamente centralista.
Pastas amarelas, cor de abóbora ou azuis são mera decorrência do que está sendo plantado pelo chefe maior.
Como diz o ditado, cabeça vazia é oficina do demônio.

Texto Anterior: México terá inflação de 52,3%
Próximo Texto: CMN facilita renegociação de dívida de microempresa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.