São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 1995
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Striptease ético

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O presidente Fernando Henrique Cardoso minimizou, ainda em Xangai (China), o caso da pasta rosa com uma frase tremendamente reveladora de como o poder muda as pessoas -e para pior.
"Pela lei, não há penalidade para isso", disse FHC, sendo "isso" o recebimento de doações de empresas, o que era ilegal à época (a campanha de 1990).
Pela lei, realmente não havia punição. Mas se FHC em vez de presidente fosse ainda senador e, mais, colunista desta Folha, estaria bradando aos céus contra a impunidade (que agora aceita tão alegremente) e por rígidos padrões éticos e morais na vida pública.
Era de se supor que, como supremo magistrado, mantivesse idêntica linha. No máximo, a título de conveniência política momentânea, poder-se-ia aceitar seu silêncio sobre o caso. Mas jamais o conformismo com a impunidade, numa ponta, e na outra o elogio aos que são acusados de uma ilegalidade, que, aliás, FHC não desmente, só desdenha.
Mais uma vez fica evidente que ética, no Brasil, é roupa feita sob medida: quando se está fora do poder, tenta-se vesti-la de fraque e cartola. Uma vez no poder, uma sunguinha já basta.
Pior do que o presidente comportou-se sábado seu ministro da Fazenda, Pedro Malan. O que o "Jornal Nacional" anunciou como entrevista exclusiva não passou de cenas explícitas de vassalagem aos Magalhães (Luís Eduardo e Antônio Carlos).
Chegou-se, pois, ao absurdo ponto em que o governo vai à TV, no horário nobre, para pedir desculpas aos Magalhães pelo fato de os Magalhães terem, supostamente, praticado uma ilegalidade ou dela se beneficiado.
Papel tão lamentável só poderia terminar em gafe. Malan ficou na citação dos Magalhães. E os outros da lista? Não são igualmente inocentes e dignos? O ex-presidente José Sarney está na lista e não foi mencionado nas desculpas públicas do ministro. Devo deduzir que é criminoso ou espero uma próxima aparição de Malan na TV?
Agora, só falta mesmo punir -e rigorosamente- algum funcionário do Banco Central por ter vazado o conteúdo da pasta.
Seria até engraçado, não fosse vergonhoso.

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