São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Filme brasileiro ressurge como negócio

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

No início de 1994, filmes nacionais eram considerados um negócio de alto risco e retorno improvável. No final de 95, uma série de mudanças no mercado começam a transformar esta idéia.
A primeira delas é o crescimento do percentual de público do cinema brasileiro. De 0,1% em 1994, passou a 4% neste ano, segundo os números de José Carlos Avellar, diretor-presidente da Riofilme, principal distribuidora de filmes brasileiros.
Esse aumento de 3.900% na participação se deve, em grande parte, a três filmes bem-sucedidos: "Carlota Joaquina", que chegou a 1 milhão de espectadores, "O Quatrilho" (800 mil) e "O Menino Maluquinho" (450 mil).
O número de filmes em produção também cresce. A Riofilme, que colocou oito títulos no mercado em 1995, já tem contrato para distribuir 15 em 1996 e a expectativa de chegar a 20.
Exibidor constante de filmes brasileiros em São Paulo desde o início de 94, o Espaço Banco Nacional de Cinema registra em 95 uma surpreendente superioridade na frequência de público a produções brasileiras.
Com os 18 filmes nacionais lançados, atingiu até o dia 10 de dezembro 276 mil espectadores, contra 311 mil bilhetes vendidos nas 24 produções estrangeiras.
Ou seja, cada filme brasileiro rendeu em média 18,33% mais que os estrangeiros nas salas do Espaço. Ali, em 94, 22 filmes estrangeiros renderam em média 193,6% mais que oito nacionais.
Essa ainda está longe de ser uma tendência consolidada. Até o momento, "O Quatrilho" é o único produto nacional de êxito em São Paulo lançado fora do Espaço.
Outras companhias exibidoras já começam a apostar alto em filmes nacionais, caso da Paris Filmes, que promove o lançamento nacional do infantil "SuperColosso" em 235 salas, na próxima sexta-feira, e espera ocupar um espaço que, no passado, foi dos Trapalhões e da Xuxa: o do filme infantil vinculado a um sucesso em TV.
Não é um investimento isolado. A Paris é distribuidora e co-produtora de outros dois filmes em produção: "O Cangaceiro", refilmagem do clássico de 1953, e "As Feras", de Walter Hugo Khouri.
"No total, a Paris está investindo R$ 1 milhão referente ao abatimento de Imposto de Renda permitido pela Lei do Audiovisual, mais R$ 1 milhão de recursos próprios", diz Marcio Fraccaroli, diretor de marketing da empresa.
Luiz Carlos Barreto, produtor há 34 anos, com mais de 60 filmes no currículo, acredita que o Brasil está deixando o "regime de crise" que vigorou entre 1990 e 1994.
Ele exemplifica com seu "O Quatrilho". Orçado em R$ 1,7 milhão, captou R$ 1,1 milhão em papéis lançados no mercado de capitais. Esses papéis beneficiam-se de vantagens concedidas pela chamada Lei do Audiovisual (que permite o abatimento de até 1% do Imposto de Renda das pessoas jurídicas e 3% das pessoas físicas), mas ainda são "pouco conhecidos", segundo o produtor.
O caso de Barreto ainda é isolado. Fernando David Resende, diretor da Vera Cruz, distribuidora de títulos, acha "péssima" a captação de recursos até o momento.
Com a mesma ênfase, julga possível reverter este quadro. Resende acredita que, com a estabilização da economia, instituições financeiras de pequeno porte perderão clientes na área de investimentos tradicionais, como os CDBs.
Barreto pensa que o fato de cada cota de "O Quatrilho" ter rendido 10% de dividendos a seus investidores (cada R$ 1 aplicado recebeu R$ 0,10) três meses após o lançamento do filme pode servir como propaganda desses papéis.
Outros fatores se conjugam para favorecer o atual ressurgimento do cinema brasileiro. O primeiro deles é o encarecimento do filme estrangeiro, cujo preço -nas contas de compradores- subiu em média cerca de 100% em 18 meses.
Com isso, os distribuidores brasileiros ensaiaram um boicote ao Mifed (feira de filmes anual que se realiza em Milão), objetivando diminuir o preço dos filmes. O boicote não se consumou, mas fixou a impressão de que a produção nacional constitui uma alternativa para distribuidoras que, até aqui, investiam apenas na importação.
"Se nos últimos anos perdeu-se o medo de comprar filmes do Vietnã, por que não se perderia o de investir na produção daqui?", pergunta Adhemar de Oliveira, diretor do Espaço Banco Nacional.
Outro fator que favorece o filme nacional, segundo Oliveira, é a estabilização da economia: "O capital de risco produtivo pode se tornar muito mais vantajoso do que o capital financeiro", avalia.
O "pode" da frase fica por conta do que Oliveira entende como "necessidade de um trabalho contínuo". "Em 95, o público já não resiste à produção nacional. Mas o futuro vai depender de os filmes agradarem ao público."

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